Obama impõe novo estilo de diplomacia

EUA apostam em multilateralismo mais descentralizado e menos militar

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Por Roberto Simon
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Alterar estratégias de duas guerras, engajar o Irã, "reiniciar" relações com Moscou, revitalizar a Otan, cortejar o mundo muçulmano, afrouxar a política para Cuba e, de quebra, trocar afagos com o venezuelano Hugo Chávez. Em seus cem primeiros dias, não foram poucos os feitos do governo de Barack Obama no campo da política internacional. Mas, além das grandes alterações no conteúdo, a forma com que a Casa Branca faz política externa mudou significativamente com Obama. Desde janeiro, a ação dos EUA no mundo se descentralizou e sua dimensão militar está perdendo espaço. Durante a era George W. Bush, o círculo de definidores da política externa era restrito a nomes como os secretários de Estado Colin Powell e Condoleezza Rice e o chefe da Defesa até 2006, Donald Rumsfeld. O novo presidente, por sua vez, promoveu uma "proliferação de emissários", segundo Pierre Mélandri, especialista em política externa americana do Instituto de Estudos Políticos de Paris. Na linha de frente, além do próprio Obama, estão a ex-rival e atual secretária de Estado, Hillary Clinton, a embaixadora na ONU, Susan Rice - cujo cargo foi alçado ao status de secretário -, o conselheiro de Segurança Nacional, Jim Jones, e o secretário da Defesa, Robert Gates. Mas a novidade são os veteranos da diplomacia nomeados enviados para regiões específicas. Richard Holbrooke para o Afeganistão e Paquistão, George Mitchell para o Oriente Médio, Stephen Bosworth para a Coreia do Norte, Dennis Ross para Irã e Scott Gration, Sudão. Por trás da multiplicação de cargos, estaria a percepção de que o Departamento de Estado havia perdido a importância que merece na diplomacia, então dominada pela Defesa, diz Mélandri. Mas essa vontade de "desmilitarizar" a política externa tem suas raízes nos últimos anos do governo Bush, quando os neoconservadores perderam influência. Em 2006, Condoleezza e Gates - mantido por Obama - já teriam pactuado a troca da farda pelo terno e gravata na diplomacia. "Nesse sentido, o projeto de Obama é uma continuidade", explica. Com esforços de reconstrução no Iraque e Afeganistão, o "retorno dos civis" incentivado por Obama faz sentido. Mas a tarefa não é simples. Em artigo na revista Foreign Affairs, o especialista J. Anthony Holmes revelou que hoje nos EUA há mais músicos em bandas militares que diplomatas. ARRANJOS REGIONAIS Definido o esquema tático, Obama partiu para o ataque com o objetivo de desfazer o legado de Bush em diferentes regiões, simultaneamente. Um dos focos primordiais foi o chamado "grande Oriente Médio", que se estende do extremo oeste asiático à Índia. É nessa região que se encontram as duas guerras em que os EUA estão envolvidos, o Irã - qualificado de "a maior ameaça" por Obama, durante a campanha - e a conturbada fronteira entre Afeganistão e Paquistão. "Nesse eixo, em vez das estratégias pontuais de Bush, Obama aposta em grandes arranjos regionais", diz Itzhak Galnoor, da Universidade Hebraica de Jerusalém. Holbrooke, por exemplo, foi incumbido de engajar o Paquistão e Índia para reverter as perdas da Otan no Afeganistão. Hillary convidou o Irã para debater a reconstrução afegã no mês passado, em Haia. Para Galnoor, os EUA aguardavam a definição do novo gabinete em Israel para levar o processo de paz ao topo da agenda. Na terça-feira, ao lado do rei da Jordânia, Abdullah II, Obama disse que fará até junho em Washington uma rodada de conversações com líderes da região. Distanciando-se de Bush, Obama quis dar mais voz à Europa em relação ao programa nuclear iraniano e integrou o grupo de contato com Teerã, formado por europeus, russos e chineses. Os EUA querem fortalecer a Otan, afirmou Obama na cúpula dos 60 anos da organização, no dia 5. A surpresa do último mês foi a América Latina, região secundária na estratégia global de Washington, mas que também parece ter entrado de vez no reordenamento da política externa americana. Concretamente, Obama até agora apenas liberou as viagens de cubano-americanos a Cuba, assim como o envio de dinheiro e permitiu o investimento de empresas americanas de telecomunicações na ilha. Mas, no plano simbólico, Obama tirou força de governos da região que buscam se legitimar e consolidar a imagem de um inimigo externo com o discurso antiamericano - caso de Chávez, do boliviano Evo Morales e do nicaraguense Daniel Ortega. "Mesmo que seja simbólico, isso não deixa de qualificar Obama. Ele tem agora espaço para tomar medidas concretas", diz Reginaldo Nasser, coordenador do curso de relações internacionais da PUC-SP. Ao final, a estratégia na América Latina seria um exemplo de como Obama pretende promover uma distensão geral para, em seguida, agir, afirma Nasser. A tática teria precedentes, como nos governos de Richard Nixon e Henry Ford.

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