Obama Neoconservadores perdem influência

Eles fizeram um último esforço para defender-se, mas não atraíram simpatia no governo

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Por Ian Buruma
Atualização:

Com o fim do governo de George W. Bush, o que acontecerá com os neoconservadores? Raramente na história americana um pequeno número de intelectuais exerceu tanta influência em política externa quanto os neoconservadores no governo de Bush e de seu vice, Dick Cheney - que não se distinguem por profundos interesses intelectuais. A maioria dos presidentes espera imprimir uma marca a seu mandato. Os ataques de 11 de Setembro deram aos neoconservadores a chance de emprestar seu idealismo revolucionário à iniciativa Bush/Cheney. Escrevendo para jornais como The Weekly Standard e instalados em centros de estudos como o American Enterprise Institute, eles deram base intelectual à invasão do Iraque. A suposta missão americana de espalhar a liberdade pelo globo - arraigada, segundo alguns intelectuais, na história dos EUA - exigia tal ação. As objeções levantadas na Europa e na Ásia foram ignoradas como reações antiquadas e covardes ao alvorecer de uma nova era da democracia mundial, imposta pelo poderio militar dos EUA. Os neoconservadores não deixarão saudades. Eles fizeram um último esforço para defender-se na campanha presidencial de John McCain. Entre os assessores de política externa do senador havia integrantes de destaque do seleto grupo. Até o momento, nenhum deles parece ter despertado simpatia entre os assessores de Barack Obama. A influência dos neoconservadores no governo Bush foi inusitada. A cultura política dos EUA se caracteriza pelo ceticismo em relação às experimentações intelectuais - o que tem seu lado bom. Os intelectuais, em geral desprovidos de poder fora do ambiente acadêmico, às vezes sentem-se atraídos por líderes políticos na esperança de que eles ponham suas idéias em prática. Mas líderes sensatos são necessariamente pragmáticos, porque a realidade complexa exige compromissos e um esforço para obter acordos. Só os fanáticos querem levar as idéias a seus extremos lógicos. A combinação de líderes poderosos com tendências autoritárias e intelectuais idealistas costuma produzir políticas ruins. Foi o que aconteceu quando Bush e Cheney, até então pragmáticos, se associaram com os neoconservadores. Bush candidatou-se ao cargo como um conservador disposto a ser moderado internamente e humilde no exterior. Cheney era mais conhecido como um burocrata que como um homem de idéias ousadas. Mas ele estava obcecado pela necessidade de expandir o poder do presidente. A mistura incendiária de ambição autocrática e idealismo equivocado consolidou-se depois do 11 de Setembro. Hoje, mesmo que por milagre o Iraque se torne um Estado democrático e estável, o preço que já foi pago em sangue (na maior parte iraquiano) e em recursos (na maior parte americanos) é muito elevado para justificar a intervenção militar promovida pelos neoconservadores. Outra vítima da arrogância neoconservadora foi a idéia de que a democracia deve ser difundida. A própria palavra "democracia", na boca dos porta-vozes da Casa Branca, foi contaminada por conotações neo-imperialistas. Processos semelhantes já aconteceram no passado. O socialismo foi um esforço corajoso de corrigir as desigualdades criadas pelo capitalismo. Mas as tentativas de aplicar ideais socialistas à força acabaram em opressão e assassinatos em massa. Os neoconservadores, apesar do nome, nunca foram totalmente conservadores. Eles apenas contestavam o modo pragmático de lidar com líderes estrangeiros defendido pelos que se definiam como "realistas". Embora o arqui-realista Henry Kissinger tenha apoiado a guerra no Iraque, a "realpolitik" por ele consagrada foi o principal alvo dos neoconservadores. Eles acreditavam que a promoção da democracia no exterior não só era um dever moral como também atendia aos interesses nacionais. Tal idéia não deixa de ter certa dose de verdade. O terrorismo islâmico, por exemplo, floresce com a falta de democracia no Oriente Médio. E a estratégia realista de estabelecer um equilíbrio do poder apaziguando os ditadores por meio de concessões tem limite claros. A democracia precisa ser encorajada, sempre que possível, pela democracia mais poderosa da face da Terra. Mas as guerras não são a maneira mais eficiente para fazer isso. É preciso encontrar uma forma menos beligerante e mais liberal para promover a democracia, enfatizando a cooperação internacional e não a força militar. É improvável que Obama repita os erros dos neoconservadores. Mas, para ser bem-sucedido, precisará resgatar alguns dos ideais que eles defenderam das ruínas de suas políticas desastrosas. * Ian Buruma é escritor e professor de Democracia, Direitos Humanos e Jornalismo no Bard College

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