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Obama precisa mostrar força

Líder americano tirou opção militar da mesa e passou a acreditar que sanções são mágicas

Por Leslie G. Gelb
Atualização:

Não estourem champanhes só porque Vladimir Putin telefonou para Barack Obama para buscar um acerto diplomático sobre a Ucrânia e arredores. Pode ser apenas um truque, como a proposta de Moscou de despojar a Síria de armas químicas para evitar um poderoso ataque aéreo americano contra as tropas do presidente Bashar Assad. Pode ser apenas uma manobra para conter o ímpeto do Ocidente para aumentar as sanções contra a Rússia. Todas as explicações sinistras do telefonema ganham peso pelo fato de cerca de 25 mil soldados russos continuarem a ameaçar as fronteiras da Ucrânia. Mesmo que Putin esteja falando sério sobre diplomacia neste momento, há um problema mais profundo para Obama. Trata-se de um que a Casa Branca rejeita completamente, mas que tem preocupado autoridades e especialistas de fora do governo. A questão é que a ideia de Obama de combater a agressão basicamente com sanções econômicas e "diplomacia" não é minimamente suficiente, que o custo de uma agressão deve ser aumentado e deve haver uma dimensão militar mais forte e mais crível na política de segurança nacional americana. Quer a Casa Branca admita ou não, inimigos de todas as partes do mundo parecem ter concluído que Obama tirou a opção de força militar americana da mesa. Nessa ótica, convém analisar melhor o que Obama disse na quarta-feira sobre um ataque russo à Ucrânia: "Evidentemente, a Ucrânia não é um membro da Otan, em parte por sua trajetória complexa e próxima da Rússia. A Rússia não será tampouco desalojada da Crimeia ou dissuadida de uma nova escalada por força militar". Isso soa terrivelmente parecido com dizer a Putin que se ele quiser abocanhar mais da Ucrânia ou toda ela, não terá de se preocupar com uma resposta militar americana. Aliás, o presidente está dizendo que o único custo para a Rússia por violar totalmente as regras básicas de comportamento internacional é a ameaça de sanções mais duras (e isso somente se os europeus e outros conseguirem agir em conjunto). Por que raios Obama daria a Putin essa carta branca? Será que a Casa Branca teme que, a menos que os ucranianos se sintam totalmente abandonados, eles poderiam ser suficientemente incautos para precipitar uma guerra com a Rússia? Se fosse essa a preocupação da Casa Branca, Obama poderia ter advertido publica e privadamente os líderes ucranianos de que sua única chance de ajuda do Ocidente era deixar absolutamente claro que Moscou é a parte culpada. Quando Obama disse que os EUA não fariam nada militarmente para proteger a Ucrânia contra um ataque, ele estava de fato se afastando do Memorando de Budapeste, de 1994, assinado por Ucrânia, Rússia, Grã-Bretanha e EUA. Por esse documento, a Ucrânia devolveu suas armas nucleares à Rússia sob a promessa de todas as partes de não violarem a segurança e soberania da Ucrânia. Com certeza, nem Londres nem Washington estavam legalmente obrigados a defender a Ucrânia se ela fosse atacada, mas é perfeitamente óbvio que Kiev jamais teria aberto mão de suas armas nucleares se não acreditasse que os EUA sairiam em sua defesa de alguma forma. O documento de Budapeste só faz sentido historicamente como um acordo de reciprocidade apoiado na crença de que os americanos agirão. Os EUA não podem simplesmente se afastar do significado claro do Memorando de Budapeste e deixar a Ucrânia desprotegida. E, como essa lavagem completa de mãos, dos EUA afetará os esforços para impedir a proliferação de armas nucleares, supostamente uma alta prioridade nacional? Por que alguma nação abriria mão de armas nucleares ou as entregaria, como a Ucrânia, se outras nações, em especial os EUA, não sentirem a menor responsabilidade pela sua defesa? Não se trata de Washington enviar tropas terrestres ou começar a usar suas armas nucleares. Trata-se apenas de que agressores precisam ver alguma ameaça militar em potencial. Já é bastante ruim que Obama pense na resposta americana à Rússia na Ucrânia quase exclusivamente em termos de isolamento diplomático do facínora, mais sanções econômicas tais como as existentes ou que poderiam existir e um toque de ajuda militar. A preocupação real é que esse se tornou seu padrão mundial. Contraventores gananciosos foram fortalecidos pelas "linhas vermelhas" de Obama não aplicadas na Síria. O mesmo vale para foguetes norte-coreanos caindo em terras sul-coreanas sem uma penalidade séria. E o mesmo vale para o novo padrão de flexão de músculos da China para estabelecer seus interesses nos mares do Sul e do Leste da China (ou Mar do Japão). A Ucrânia só reforça o padrão. Sanções econômicas são uma boa ferramenta, mas não substituem uma opção militar crível. Sanções econômicas poderosas durante décadas não conseguiram colocar Cuba, Irã e Coreia do Norte de joelhos. A Rússia será ainda mais difícil de quebrar com sanções econômicas porque é a oitava economia do mundo. Como os EUA poderão agir com maior vigor na atual crise da Ucrânia? O caminho mais ousado e mais arriscado seria enviar 50 ou 60 dos incrivelmente potentes F-22 à Polônia, mais baterias de Patriot e suporte e proteção terrestre apropriados. A pior coisa seria blefar. Os perigos tampouco terminariam mesmo que Obama não estivesse blefando; Putin poderia mesmo assim pensar que ele estava blefando e começar uma guerra. Apesar de todas essas complicações e riscos, a equipe de Obama ainda deveria dar a essa opção uma séria apreciação - e deixar a Rússia e nossos parceiros da Otan saberem que esse caminho duro está sendo seriamente considerado. Obama enviou alguns F-15 e F-16 à Europa oriental, alguma ajuda militar à Ucrânia e outros Estados, mas todos sabem que isso é uma cortina de fumaça. Outra medida plausível e menos arriscada: ajudar a preparar ucranianos para uma guerra de guerrilhas contra uma força invasora russa. Numa guerra convencional, as forças ucranianas não são páreo para os russos. No entanto, forças ucranianas irregulares armadas com rifles de primeira classe, morteiros e artefatos explosivos causariam grandes danos às tropas russas. Os russos sabem disso. Eles certamente não se esqueceram dos horrores de combater guerrilheiros no Afeganistão. Para começar, essas medidas seriam plausíveis, puramente defensivas e dissuasórias. Elas demonstrariam a Moscou que novas agressões contra a Ucrânia resultariam em muito mais que bofetões econômicos e diplomáticos. O uso de força crível tem sido o ingrediente em falta na política americana. O apoio ao que poderia ser a resistência ucraniana, combinado com um deslocamento de F-22 para a Polônia "para proteger os interesses de segurança de EUA e da Otan na região", faria Putin pensar. E essa abordagem também faria os ditadores de Pyongyang, Damasco e Pequim pensarem duas vezes./ *Leslie G. Gelb é presidente emérito do Council on Foreign Relations.TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

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