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Obama se espelha em Roosevelt e busca virada nos primeiros cem dias

Para enfrentar crise econômica e guerras, líder inspira-se na receita usada na Grande Depressão dos anos 30

Por Patrícia Campos Mello
Atualização:

Desde Franklin Delano Roosevelt um presidente americano não se via diante de um início de governo tão decisivo. O presidente Barack Obama assume em meio a expectativas estratosféricas e uma crise econômica de dimensões assustadoras. Obama quer aproveitar o capital político obtido em sua histórica eleição para emular os cem primeiros dias de Roosevelt - quando o então presidente americano, durante a Grande Depressão dos anos 30, conseguiu aprovar 16 leis em regime de emergência. As semelhanças entre os dois são evidentes. Obama leu um livro sobre os cem dias de Roosevelt durante a transição. Segundo assessores da campanha, ele se inspirou nas "conversas perto da lareira" de Roosevelt para ganhar apoio da população, por meio de e-mail, YouTube e TV, para o pacote de estímulo econômico que está no Congresso. O mundo examinará com lupa os primeiros três meses do governo Obama. A partir de Roosevelt, o desempenho nos primeiros cem dias transformou-se em um veredicto sobre a presidência. "Os cem dias são a hora de aplicar as medidas difíceis, aproveitando a lua-de-mel do Congresso, embalado pela aprovação popular do presidente recém-eleito", disse ao Estado William Leuchtenburg, professor emérito da Universidade da Carolina do Norte e o maior estudioso de FDR nos EUA. Segundo Leuchtenburg, há várias semelhanças entre os dois governos, mas dificilmente Obama terá os primeiros cem dias tão produtivos quanto Roosevelt. Em parte, porque o ex-presidente foi pioneiro. Em seus primeiros cem dias, ele adotou regulamentação financeira, ajuda a agricultores, desempregados, construção de obras de infraestrutura - todas legislações que não existiam antes - por meio do New Deal, como ficou conhecido seu conjunto de medidas econômicas. E em parte porque Roosevelt tinha apoio maciço do Congresso para aprovar suas medidas, pois a situação que ele herdou era muito pior. O desemprego hoje está em 7,2%. Em março de 1933, quando Roosevelt assumiu, era de 25% (em Chicago passava de 50%). Era o ápice da Grande Depressão, e o Estado da Geórgia teve de fechar todas as escolas por falta de dinheiro. "Mas Obama deve usar seus primeiros cem dias para assegurar a aprovação de um amplo pacote de estímulo econômico, reverter uma série de medidas polêmicas de George W. Bush e começar a lidar com a reforma do sistema de saúde", disse Leuchtenburg. Ele já começou assinando ordens executivas proibindo tortura em interrogatório de suspeitos de terrorismo e decretando o fechamento da prisão de Guantánamo dentro de um ano. Resta reverter medidas de desregulamentação adotadas durante a era Bush, desfazer veto a financiamento a pesquisas com células-tronco. BAIXO CUSTO No meio de duas guerras e com o acirramento das tensões no Oriente Médio, Obama pode aproveitar seus cem dias para mudar o posicionamento em relação ao Irã e à questão palestina - medidas que teriam a vantagem de custar pouco, pelo menos financeiramente. Um paralelismo com os primeiros cem dias de Roosevelt será o plano de estímulo à economia, um pacote emergencial para tirar os EUA da crise. Leuchtenburg acha que Obama proporá a criação de uma agência semelhante à estabelecida como parte do New Deal que comprou hipotecas de proprietários de imóveis prestes a perder suas casas e as refinanciou a taxas mais baixas. "Há muita pressão sobre o governo, o primeiro plano de estímulo à economia só se concentrou em instituições financeiras, e agora haveria a necessidade de uma ajuda direta aos mutuários." Obama deve buscar também a aprovação de uma reforma parcial do sistema de saúde, projeto difícil que exige apoio bipartidário. Mas ele não conseguirá fazer uma reforma ampla no sistema de saúde - em plena época de crise e com o déficit do orçamento projetado em US$ 1,2 trilhão em 2009, é bastante improvável a aprovação de uma medida que custaria no mínimo US$ 100 bilhões por ano. PRIORIDADES Algumas medidas que estão sendo reivindicadas por sindicatos também não terão muito apoio ou urgência. E a liberalização do comércio, em época de desemprego, ficará no fim da lista. Como nos anos Roosevelt, Obama tem a grande tarefa de "salvar o capitalismo", diz David Woolner, diretor-executivo do Instituto Franklin e Eleanor Roosevelt. Na época de Roosevelt, o mercado não tinha regras e ele conseguiu aprovar leis de regulamentação. Nos anos 70, 80 e mais recentemente em 1999, com a derrubada da Lei Glass-Steagall (que estabeleceu o Federal Deposit Insurance Company, que garante contas bancárias até determinado valor, e exigia separação entre bancos comerciais e bancos de investimentos), houve uma onda de desregulamentação. "Além disso, Obama terá de trabalhar para o capitalismo voltar a ter regras", diz Woolner. Essa tarefa certamente não será concluída até abril, mas precisará pelo menos deslanchar durante esses preciosos cem dias.

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