Obama surpreende conservadores

Nomeações para gabinete ganham elogios de rivais republicanos e indicam uma nova maneira de fazer política

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Por John Harwood e Washington
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Cinco semanas antes de assumir a presidência, Barack Obama já pode se gabar de ter realizado algo impressionante: convenceu adversários ideológicos e partidários a enxergá-lo sob uma luz menos ideológica. Acusado durante a campanha de ser "socialista", ele recebeu, desde então, elogios dos conservadores por manter no seu gabinete o secretário de Defesa, Robert Gates, e por nomear para o Conselho de Segurança Nacional o general James Jones e para o Departamento do Tesouro o moderado Timothy Geithner, que ajudou o governo Bush a criar o pacote de resgate para Wall Street. Karl Rove, ex-conselheiro do presidente George W. Bush, disse que a equipe econômica de Obama "inspira confiança". Outros veteranos republicanos concordam. "Obama está certo ao desapontar os ideólogos", escreveu Michael Gerson, que redigia discursos para Bush. Ainda mais notável é o fato de Obama ter recebido esses elogios sem dar a entender que abandonará as políticas que os conservadores atacaram na campanha - sua promessa de expandir a assistência médica nos EUA, tirar as tropas do Iraque e aumentar os gastos em infra-estrutura e na pesquisa de fontes alternativas de energia. Obama dá indícios que aprovará um pacote de estímulos econômicos muito maior do que o proposto durante a campanha. Ontem, diversos assessores de sua equipe disseram que ele ampliará em 500 mil empregos a meta de 2,5 milhões divulgada anteriormente. Tudo isso coloca a seguinte pergunta: estaria Obama de fato forjando um modo diferente de fazer política? Caso a resposta seja afirmativa, qual será esse sistema? Um estilo de governo apartidário que incorpore as diferenças entre campos ideológicos ou uma política pós-partidária que torne irrelevante as lacunas entre democratas e republicanos? Na verdade, membros da equipe de Obama vislumbram uma terceira opção: o uso de programas esquerdistas nutridos pelo desejo do eleitorado por ação, mas também pelo temperamento moderado de Obama para superar os obstáculos ideológicos que paralisaram Washington. Não que Obama seja o primeiro presidente eleito a oferecer palavras de conforto. Outros presidentes disseram coisa parecida, mas divisões ideológicas sempre frustraram a promessa de uma solução não-ideológica para os problemas. Nas três eleições do século 21, os eleitores foram para as urnas divididos por linhas ideológicas bem definidas. Obama só recebeu o voto de 1 em cada 10 republicanos e de 1 em cada 5 conservadores. Temas particularmente espinhosos que ele ainda não abordou, como o aborto, ainda podem incendiar a guerra cultural. Mas o tom do debate político das últimas semanas sugere algo novo. Para começar, temos as nomeações para a equipe de transição, que convenceram os conservadores de que, pelo menos por enquanto, Obama está realmente aberto a novas idéias. Há também o impulso que o presidente eleito recebeu do desalinhamento dos republicanos após o fracasso eleitoral. "Não acho que exista uma política pós-partidária ou pós-ideológica, mas pode acontecer de um dos lados se descobrir tão chocado ou incompetente a ponto de se ver incapaz de apresentar uma visão alternativa", disse Dan Mitchell, economista conservador do Instituto Cato. Enquanto alguns republicanos ainda pedem a volta dos cortes de impostos, outros estão impacientes com os "princípios elementares" do conservadorismo. O governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, por exemplo, apóia o aumento dos gastos governamentais em infra-estrutura. Na semana passada, ele pediu aos legisladores californianos para "superarem sua inflexibilidade ideológica". Martin Feldstein, assessor econômico do ex-presidente republicano Ronald Reagan, também defende o aumento dos gastos. O próprio Bush propôs um pacote de resgate para as instituições financeiras. Obama é o beneficiário dessas mudanças e não seu agente. "O centro se deslocou", disse Robert Borosage, do grupo liberal Campanha pelo Futuro da América. Também há indícios de que o presidente eleito pode abrir mão de aumentar os impostos dos ricos. Contudo, é exatamente esse tipo de mudança que preocupa um grupo diferente, apesar de igualmente influenciado pela ideologia: os eleitores de Obama da esquerda progressista, especialmente as legiões que aderiram a sua campanha pela internet. A possibilidade de uma política que rompa com os padrões tradicionais pode, afinal, depender menos do talento de Obama do que do cansaço generalizado em relação aos dogmas dos ideólogos. "Gostaria de ver a chegada de uma era pós-ideológica na qual as medidas sejam elaboradas com base apenas em considerações pragmáticas, sem serem pautadas por um conjunto de concepções prévias", escreveu o juiz conservador Richard Posner. "Não ficaria incomodado de ver o conservadorismo deixando a cena política, mas desde que leve consigo o liberalismo típico da esquerda."

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