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Ocidente deve mostrar a Putin o quanto ele está errado em escolher a guerra; leia a análise

Putin quer derrubar a estabilidade europeia, e escolheu a guerra para isso, na crença de que os benefícios superarão os custos. Cabe aos Estados Unidos e seus parceiros provarem que ele errou muito em seus cálculos

Por Richard N. Haass
Atualização:

O momento chegou, após um impasse que se estende por meses. A invasão da Ucrânia pela Rússia está em andamento.

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Na quarta-feira, o presidente Vladimir Putin disse que decidiu realizar uma “operação militar especial” no Leste da Ucrânia. No início desta semana, ele ordenou que seus militares fossem para duas regiões no leste do país, desmentindo a alegação – muitas vezes repetida por autoridades russas – de que ele não tinha intenção de invadir. 

Além de um ato de agressão, é uma violação flagrante do princípio legal básico de que as fronteiras internacionais não devem ser alteradas pela força e que os países soberanos são livres para tomar suas próprias decisões.

Coluna de fumaça negra toma os céus após bombardeio do aeroporto de Chuguiev, perto de Kharkiv, na Ucrânia, perto da fronteira com a Rússia Foto: Photo by Aris Messinis / AFP

Também é injustificável. Existem dois tipos de guerra: guerras de necessidade, para proteger interesses nacionais vitais e envolvendo o uso da força militar como último recurso, como a 2ªa Guerra e a guerra do Golfo Pérsico de 1991; e guerras de escolha — intervenções armadas realizadas na ausência de interesses nacionais vitais ou apesar da disponibilidade de opções que não envolvam a força militar. Nessa categoria se enquadram as guerras do Vietnã, do Iraque e, após uma fase inicial limitada, do Afeganistão.

O conflito de Putin é, decididamente, uma guerra de escolha. As justificativas do presidente russo não se sustentam: não houve e não há consenso sobre permitir a entrada da Ucrânia para a Otan na próxima década ou depois.

Não havia e não há ameaça aos russos étnicos na Ucrânia. E os Estados Unidos e a Otan expressaram sua abertura para discutir acordos de segurança europeus que levem em consideração os legítimos interesses russos.

Em vez disso, Putin está escolhendo o caminho da guerra. Isso exige uma resposta determinada e abrangente do Ocidente. A guerra de escolha de Putin exige uma resposta de necessidade.

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O Ocidente deve visar penalizar a Rússia e desencorajá-la a cometer novas agressões. A suspensão do oleoduto Nord Stream 2 pela Alemanha é um forte começo, assim como as sanções financeiras contra dois bancos russos e a dívida soberana da Rússia anunciadas pelo presidente Biden na terça-feira.

Medidas direcionadas adicionais devem seguir, e as capacidades militares da Ucrânia e da Otan, particularmente em países próximos à Rússia, devem continuar a ser aprimoradas. Putin deve ser levado a entender que os movimentos que ele já fez terão consequências significativas.

Mas se a intervenção russa é um prelúdio para uma tentativa de afirmar o controle sobre toda a Ucrânia e derrubar seu governo, como provavelmente será, os Estados Unidos e seus aliados da Otan devem ir muito mais longe. O objetivo, então, deve ser expandir o apoio à Ucrânia – militar, de inteligência, econômico e diplomático – a ponto de aumentar significativamente os custos de qualquer ocupação russa.

Isso deve ser possível, até porque os aproximadamente 190.000 soldados da Rússia e as forças separatistas apoiadas pela Rússia que estão dentro ou perto da Ucrânia provavelmente não serão capazes de pacificar prontamente um país do tamanho e da população da Ucrânia. 

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Para a Rússia, os custos já serão altos. Embora longe de ser uma panaceia, as sanções contra um conjunto mais amplo de pessoas e instituições financeiras próximas a Putin e críticas para a economia da Rússia podem aumentá-las ainda mais – assim como o aumento da produção de petróleo e gás nos Estados Unidos e no Oriente Médio. A remoção do colchão de altos preços de energia do Kremlin, que há muito tempo é uma bênção para o governo, seria a melhor sanção.

Os Estados Unidos também devem continuar a divulgar sua inteligência que escancara as intenções russas para estragar surpresas. A mídia tradicional e as redes sociais com potencial para alcançar jornalistas russos e a sociedade civil deve contrariar a narrativa do Kremlin. E imagens do que está acontecendo dentro da Ucrânia devem chegar ao mundo, não deixando dúvidas sobre o número de vidas inocentes tiradas pelo aventureirismo de Putin.

Em um nível mais estratégico, os Estados Unidos deveriam tentar construir alguma distância entre a China e a Rússia. Isso não acontecerá da noite para o dia, mas o governo Biden deve intensificar sua diplomacia privada com a China, destacando os riscos econômicos e estratégicos – incluindo punição financeira e crescente sentimento anti-China no Ocidente – de estar intimamente associado a uma Rússia agressiva. 

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Agora também seria um bom momento para reiniciar um diálogo estratégico de alto nível com a China e buscar questões, digamos, sobre o Afeganistão e as mudanças climáticas, onde os dois governos possam cooperar.

No cenário internacional, os governos de todos os lugares devem ser desencorajados a seguir a liderança da Rússia em reconhecer a independência das duas regiões ucranianas. E a Ucrânia e seus amigos devem apresentar seu caso não apenas ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas também à Assembleia Geral, onde a Rússia não tem poder de veto. 

Além disso, os governos europeus precisam preparar seu público para grandes aumentos de refugiados que fogem da Ucrânia e argumentar por que eles devem ser apoiados. E os cidadãos da Europa e dos Estados Unidos precisam ser alertados sobre o potencial de ataques cibernéticos e escassez de energia. Enfrentar a Rússia não será indolor.

Mas a história das guerras de escolha oferece algumas perspectivas úteis. Enquanto muitos começam bem, a maioria – particularmente aquelas que são ambiciosas – terminam mal. Os países intervenientes tendem a subestimar a dificuldade de prevalecer ou de traduzir os sucessos do campo de batalha em ganhos duradouros. 

Gradualmente, aqueles que estão em casa tendem a se cansar de arcar com os custos crescentes ligados à busca de objetivos evasivos. A invasão do Afeganistão pela União Soviética, que começou em 1979, se arrastou por uma década e prejudicou gravemente a autoridade do Estado, é um exemplo disso.

No entanto, Putin está determinado a derrubar a estabilidade europeia. Como outros antes dele, ele está iniciando uma guerra de escolha na crença de que os benefícios superarão os custos. Cabe aos Estados Unidos e seus parceiros provar que ele errou muito em seus cálculos.

* Richard N. Haass (@RichardHaass) é o presidente do Council on Foreign Relations, um dos principais centro de estudos de Relações Exteriores do mundo, e autor de, entre outros livros, “War of Necessity, War of Choice: A Memoir of Two Iraq Wars” e “The World: A Brief Introduction .”

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