Odebrecht leva calote na África e Brasil paga a conta

Tesouro assume dívida da obra de aeroporto que recebe cerca de 200 passageiros por semana e virou símbolo da crise de Moçambique

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Por Cristiano Dias
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O aeroporto de Nacala é uma joia. Projeto premiado de um escritório de arquitetura de São Paulo, um jogo de curvas e retas que levou a classe do modernismo para o norte de Moçambique. Inaugurado em 2014, está estalando de novo. Só tem um problema: faltam passageiros. Feita pela Odebrecht e financiada pelo BNDES, a obra não foi paga e o calote de US$ 22,5 milhões foi parar na conta do Brasil.

Aeroporto de Nacala, em Moçambique: sem passageiros e sem aviões Foto: FOTO ODEBRECHT

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A pista de 3.100 metros foi feita para acomodar um Boeing 747, mas é usada apenas por um Embraer 190 de 100 lugares. Ao todo, são dois voos por semana das Linhas Aéreas de Moçambique (LAM). Segundo dados oficiais, o aeroporto opera com 4% de sua capacidade, que seria de 500 mil passageiros por ano. Mas, como nenhum voo decola ou aterrissa com mais de 50 pessoas, o movimento real, provavelmente, é a metade do que diz o governo. 

O custo foi de US$ 125 milhões, financiados pelo BNDES. Desde novembro, no entanto, Moçambique deixou de pagar três prestações. No total, o calote foi de US$ 22,5 milhões. A Odebrecht, que construiu o aeroporto, recebeu a dívida por meio do Seguro de Crédito à Exportação (SCE) - cobertura dada pela União contra riscos comerciais e políticos. Assim, a conta caiu no colo do Tesouro brasileiro e se tornou uma negociação entre Maputo e Brasília.

Ao Estado, a chancelaria brasileira disse que uma missão técnica do BNDES esteve em Moçambique no mês passado para negociar a dívida. “A missão permitiu a discussão de uma agenda positiva para a negociação do pagamento”, disse o Itamaraty.

Tanto o governo de Moçambique quanto o brasileiro defendem a obra como um “projeto de longo prazo” que aposta no crescimento do norte de Moçambique, impulsionado pela exploração de gás natural. Um projeto da Vale também usaria a cidade como base para exportação de carvão. Enquanto o futuro não chega, Nacala segue com seus 200 mil habitantes, dos quais poucos têm dinheiro para pagar um bilhete de avião da LAM - a passagem mais barata até Maputo não sai por menos de R$ 1.400, ida e volta.

Mais do que o primeiro lampejo do fracasso, o aeroporto de Nacala é resultado de um escândalo que deixou Moçambique à beira do abismo. Embalado pela alta das commodities, o país crescia a uma média de 7% ao ano desde 2007. O otimismo dominava investidores e credores, que bancam cerca de 10% do orçamento moçambicano.

Entre 2013 e 2014, três empresas estatais - Ematum (pesca de atum), ProIndicus e MAM (segurança marítima) - contraíram US$ 2 bilhões em empréstimos com os bancos VTB, da Rússia, e Crédit Suisse. A operação foi feita em segredo, com aval do governo do presidente Armando Guebuza, mas sem o Parlamento saber - o que é inconstitucional. O FMI também não foi informado e se assustou quando descobriu o rombo. 

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A maracutaia caiu na boca do povo com o nome de “escândalo das dívidas ocultas”. Em janeiro, a consultoria Kroll, especializada em investigações corporativas, descobriu que o dinheiro para comprar barcos foi parar em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, e depois sumiu. Irritados, FMI e países credores fecharam as torneiras. Sem crédito, e com o preço das commodities em queda, Moçambique entrou em crise e deixou de pagar suas dívidas – incluindo o aeroporto de Nacala.

A bagunça foi herdada pelo presidente Filipe Nyusi, também da Frelimo - guerrilha transformada em partido que se agarra ao poder desde a independência, em 1975. Mesmo prometendo transparência, os órgãos oficiais foram incapazes de distribuir responsabilidades individuais e o desalinho segue sem autoria.

Obras superfaturadas ou desnecessárias não são exclusividade de Moçambique. A relação entre corrupção e financiamento de contratos públicos também não. Em acordo de leniência com o Departamento de Justiça dos EUA, em dezembro de 2016, a Odebrecht reconheceu que pagou US$ 900 mil para funcionários do governo moçambicano - dos quais US$ 250 mil especificamente para convencê-los a realizar um “projeto de construção”. Os pagamentos foram feitos entre 2011 e 2014, período da construção do aeroporto - embora a obra não seja citada no acordo feito com os americanos. 

Entre os delatores da Lava Jato, Antonio de Castro Almeida, ex-executivo da Odebrecht, garante que uma funcionária da Câmara de Comércio Exterior (Camex) recebeu 0,1% do valor do contrato para agilizar a aprovação do financiamento do aeroporto de Nacala. Oficialmente, a empreiteira garante que está colaborando com a Justiça dos países em que atua. “A empresa está comprometida a combater e não tolerar mais a corrupção”, diz a nota da Odebrecht enviada ao Estado.