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Olhar crucial

A visão estratégica de um fotógrafo que conhecia as árvores.

Por Lucas Mendes
Atualização:

Hoje é dia de Manhattan Rural. No coração da ilha, numa das melhores galerias fotográficas da cidade, a Trockmorton, na rua 57, Valdir Cruz plantou 60 árvores esplêndidas, majestosas, belíssimas, algumas cada vez mais raras, de um Estado famoso pelas suas indústrias: São Paulo. Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul têm as mesmas àrvores talvez até com mais abundância, mas foram os paulistas, na realidade, o governador José Serra, que comprou a ideia do Valdir de procurar e fotografar as árvores mais nobres do Estado, algumas ameaçadas. Antes das raízes, copas e galhos paulistas, vamos ao Valdir, que conheço há quase 20 anos. Ele é lá de Guarapuava, no Paraná, e, em 1978, deu com os costados na pobre e perigosa Newark, em Nova Jersey, onde passou seis anos como torneiro mecânico e saiu ileso. Um amigo deu a ele de presente uma câmera de 35mm e sacou que ele tinha "um olho" incomum. Um crítico disse que Valdir, como Cartier Bresson, é capaz de "colocar na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração". Valdir foi para a escola e o "olho" cresceu, mas antes ficou conhecido pelo talento de laboratorista - aprendeu com o mestre George Tice - e trabalhou com alguns dos maiores fotógrafos de Nova York, entre eles Edward Steichen, Stieglitz e Strande. Talvez pelas suas raízes interioranas, sentia uma atração forte pelo povo, pela paisagem e pela arquitetura do Brasil. Faces da Floresta, resultado de seis anos de vivência no norte da Amazônia entre os índios, deu a ele uma bolsa da Fundação Gugenheim. Ano passado lançou Bonito, precioso, sobre a região de Mato Grosso do Sul. Raízes é seu nono livro e sua quinta exposição em NY. Na feira de Frankfurt, ficou entre os cinco finalistas entre 2 mil livros na categoria de arte, e ganhou o maior prêmio gráfico de São Paulo. Foram 16 mil quilômetros de carro pelo interior de São Paulo, caminhadas intermináveis, carrapatos abomináveis e um número incontável de noites varadas na pós-produção em Nova York. Com uma técnica nova e patenteada de reprodução de cópias em pigmentos naturais, uma foto de um metro quadrado leva entre 25 e 30 dias para ser finalizada. Os negativos têm 9 por 11,5 centímetros, uma câmera gigante. Das sessenta fotos que ele colocou no livro, 30 são parte da "Coleção". Cada uma custa US$ 5 mil. Faça as contas e vai ver que o Valdir um dia talvez até fique rico, mas esta não parece ser a procupação dele no momento. O escritor Ignácio de Loyola Brandão descreve o Valdir como "Caçador de Árvores", faz um relato fino sobre várias delas, algumas, diz o Valdir, "devem ter mais de mil anos". As gigantes e velhas são a peroba rosa, o jequitibá, as jaqueiras, as figueiras, as gameleiras. E algumas lindas e altas que não me lembro de ter visto em Minas, como a Farinha Seca. Até pela foto dá vontade de ajoelhar diante destas árvores. Na página 129 encontro uma das minhas paixões. A jabuticabeira para os paulistas, como esté no Houaiss, é jaboticabeira, para os mineiros, também o Houaiss, registra ainda jabuticabas. "Se só existe no Brasil e não é jabuticaba pode saber que é besteira". Sempre achei que esta frase fosse do Otto Lara Resende ou do Paulo Mendes Campos, mas o amigo jornalista Paulo Romeu esclareceu que é do ministro da Fazenda Henrique Simonsen, usada para desmontar novas ideias econômicas da oposição. E também pensava que aquela fruta incrível fosse só nossa, em especial lá das Minas Gerais. Mas numa caminhada por um belo jardim num hotel na Flórida dei de cara com uma enorme jaboticabeira, carregada e corretamente identificada numa placa. Depois de devorá-la fui me informar como aquela coisa que só existe no Brasil estava tão exuberante num quintal do tio Sam. Já de volta a Nova York, por telefone, cheguei no paisagista e vendedor que oferecia mais de 12 tipos, inclusive listradas (pelo dicionário há oito variedades no Brasil) já com um metro de altura, por US$ 40. Mesmo para a década de 80, achei barato, mas não ia crescer dentro do meu apartamento. Cheguei a ter um pé de café que trouxe de Michigan e deu fruto, mas jaboticaba é muito treteira. Valdir me disse que os paisagistas paulistas pagam até R$ 20 mil por uma àrvore madura como a do livro, e disse que é definida como "frutinha safada. Cresce agarrada no pau e morre sendo chupada". Lá em Belo Horizonte, me disseram, você compra uma pela metade do preço, R$10 mil pela grande, R$ 1 mil por uma das pequenas e R$10 por uma mudinha. Fiz as contas: se há 20 anos tivesse plantado num modesto terreno umas mil mudinhas e 200 tivessem vingado, eu teria R$ 2 milhões. Pagaria as faculdades de três filhos em Nova York e ainda sobraria um montão. Falta de visão? Um colega jornalista não resistiu ao apelo da natureza e das possibilidades do investimento. Ele sabia tudo sobre botânica e comprou terras na região serrana. Até hoje não me pagou os US$ 300 que emprestei para colocar as telhas da casa. Acho mais prudente investir no olhar crucial do Valdir. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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