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Premiê do Iraque anuncia renúncia após onda de protestos

Adel Abdul-Mahdi entregará o pedido de renúncia ao Parlamento depois de perder o apoio da principal liderança xiita do país

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Por Redação
Atualização:

BAGDÁ - Pressionado por dois meses de intensos protestos e uma violenta repressão que deixou quase 400 mortos e 8 mil feridos, o primeiro-ministro do Iraque, Adel Abdel Mahdi, anunciou nesta sexta-feira, 29, que apresentará sua renúncia ao Parlamento. O anúncio foi feito horas depois de o aiatolá Ali Sistani, figura crucial da política iraquiana, aconselhar seu afastamento. Em sua declaração, Mahdi alega que seu objetivo é impedir o “derramamento de sangue”.

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Com o pedido, Sistani, líder religioso xiita, de 89 anos, manifestou pela primeira vez seu apoio aos manifestantes, que desde outubro exigem a queda do regime e a renovação da classe política, que acusam de corrupção, de ignorar a população e de reprimir os protestos com violência. Na quinta-feira, 46 manifestantes foram mortos e quase mil ficaram feridos em várias localidades do Iraque.

O anúncio de renúncia de Mahdi é um revés para o Irã, que apoiava o premiê e teve seu consulado incendiado na quarta-feira durante protestos na cidade sagrada xiita de Najaf. O prédio foi seriamente danificado pelas bombas incendiárias lançadas pelos manifestantes que se opõem à influência de Teerã no governo iraquiano.

Na Praça Tahrir, epicentro dos protestos na capital, os manifestantes largaram as pedras que jogavam contra a polícia e começaram a dançar para comemorar o anúncio de Mahdi. “Esta é a nossa primeira vitória, mas precisamos nos livrar de todos eles, Maliki e seus criminosos”, disse Hiatt Mehdi, de 60 anos, referindo-se ao ex-premiê Nuri al-Maliki. 

“Este é um passo importante, embora tenha sido tardio e depois de dias muito sangrentos”, disse Ali Hussein, estudante de 20 anos, na cidade de Nassíria.

Em Diwaniya, no sul do Iraque, onde os protestos desta sexta ocorreram sob a forma de procissão fúnebre em homenagem aos 46 manifestantes mortos na quinta-feira em cidades vizinhas, um manifestante disse que a renúncia não é suficiente. “Nosso problema não é o primeiro-ministro, queremos que todos os partidos caiam fora”, disse, denunciando péssimos serviços públicos, corrupção e o elevado índice de desemprego.

Manifestantes queimam templo xiita em Najaf, no Iraque Foto: STRINGER / AFP

No Iraque, um dos países mais ricos em petróleo do mundo, a infraestrutura está em péssima condição, após anos de guerra e poucos investimentos em sua renovação. Em 16 anos, o equivalente ao dobro do PIB do país – US$ 225 bilhões – evaporou nos bolsos de políticos e empresários. O petróleo representa 90% das receitas de um governo endividado e um em cada cinco iraquianos vive abaixo da linha da pobreza.

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Os parlamentares de oposição, ligados ao ex-premiê Haider al-Abadi e ao polêmico líder xiita Moqtada al-Sadr, – já disseram que estão prontos para votar a queda do gabinete. Os paramilitares pró-Irã do Hashd al-Shaabi, o segundo maior bloco do Parlamento, que até agora apoiava fortemente o governo, também parecem cumprir as diretrizes de Sistani.

O Parlamento deve se reunir no domingo em sessão de emergência para decidir se aceita a renúncia. Mahdi e seu gabinete podem permanecer de forma interina no governo, até que o presidente, Barham Salih, nomeie um novo premiê. Esta será a primeira vez desde a queda de Saddam Hussein, em 2003, que um primeiro-ministro deixa o cargo sem terminar seu mandato. 

Manifestantes querem o fim do sistema político concebido pelos americanos e profundamente influenciado pelo Irã, que é xiita, como a maioria do governo iraquiano. Documentos obtidos pelo site Intercept e publicados no início do mês pelo New York Times revelaram que agentes da inteligência iraniana cooptaram vários membros do atual gabinete e se infiltraram na liderança militar do Iraque.

De acordo com os documentos, a presença do Irã nas instituições-chave do Iraque é tão profunda que Teerã tem participado de várias decisões estratégicas no país, segundo seus interesses. 

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Apesar do anúncio da renúncia, novos confrontos foram registrados nesta sexta na cidade de Nassíria, sul do Iraque, onde pelo menos 16 manifestantes morreram e mais de 100 ficaram feridos. Uma fonte do Ministério do Interior iraquiano afirmou que os manifestantes continuam cercando o quartel-general do comando da polícia de Dhi Qar, no centro de Nassíria.

EUA pedem a Bagdá que escute demandas do povo

Os Estados Unidos pediram aos líderes iraquianos que atendam às “demandas legítimas” dos manifestantes, incluindo o combate à corrupção, após o premiê Adel Abdel Mahdi anunciar que apresentará sua renúncia em razão de dois meses de protestos.

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“Compartilhamos as preocupações legítimas dos manifestantes”, disse Morgan Ortagus, porta-voz do Departamento de Estado. “Continuamos pedindo ao governo do Iraque que encaminhe as reformas exigidas pelo povo, entre elas as referentes ao desemprego, à corrupção e à reforma eleitoral.”

As autoridades americanas reiteradamente têm pedido aos líderes iraquianos que escutem os manifestantes, mas se distanciando de uma possível intervenção no país, que teve de se recompor após a invasão liderada pelos EUA, em 2003. / AFP, NYT, W.POST

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