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Onda de revolta chega à Líbia e Kadafi dobra salário de funcionários públicos

Prisão de advogado ligado a grupos de defesa dos direitos humanos teria desencadeado protestos na segunda maior cidade líbia, Benghazi, dispersados pela polícia antidistúrbio com tiros de borracha e bombas de gás lacrimogêneo

Atualização:

TRÍPOLIA onda de protestos que já derrubou os governos da Tunísia e do Egito chegou ontem à Líbia, com o regime de Muamar Kadafi - no poder há quatro décadas - reprimindo manifestações de opositores na segunda maior cidade do país, Benghazi, na costa do Mediterrâneo. A imprensa estatal líbia simplesmente ignorou os protestos para noticiar atos em apoio a Kadafi.Em meio às manifestações de descontentamento, o líder líbio fez um inflamado discurso convocando árabes a "marchar sobre Israel". Kadafi já havia afirmado que, caso ocorressem protestos na Líbia, ele marcharia pelas ruas ao lado dos opositores contra o governo - numa forma de cobrar os ministro de seu gabinete.Discretamente, porém, o governo líbio anunciou ontem que dobraria os salários de funcionários públicos e libertaria pelo menos 110 militantes islâmicos acusados de conspirar contra o regime. De acordo com a Human Rights Watch, pelo menos nove figuras da oposição foram detidas na manhã de ontem, antes mesmo de os protestos começarem. "Foi uma manobra preventiva para impedir manifestações pacíficas", afirmou Heba Morayef, funcionário da ONG.Não está claro ainda o que exatamente provocou o início dos distúrbios em Benghazi. De acordo com a agência Reuters, parentes de detentos massacrados em 1996 na rebelião da prisão de Abu Salim (mais informações nesta página) conduziram a marcha antigoverno. A BBC precisou que o estopim dos distúrbios foi a prisão de Fathi Terbil, advogado de direitos humanos e espécie de porta-voz das famílias de presos assassinados em Abu Salim. Manifestantes teriam cercado o posto de polícia para onde o advogado havia sido levado. Terbil acabou solto no fim da tarde, mas manifestantes seguiram da delegacia até uma das praças da cidade.Por meio do Facebook e do Twitter, ativistas líbios convocaram uma rebelião nacional contra Kadafi, pedindo uma Constituição (suspensa desde 1969) e reformas políticas. Nas ruas, manifestantes gritavam "Nenhum Deus além de Alá, Muamar é inimigo de Alá" e "Abaixo a corrupção e o corrupto", noticiou a agência Associated Press.Segundo testemunhas, a polícia dispersou a multidão usando bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e um canhão de água. Uma autoridade líbia disse sob a condição de anonimato que 14 pessoas ficaram feridas - incluindo 10 policiais. Ele ainda acusou manifestantes de estar armados com facas e pedras.A televisão estatal de Trípoli ignorou os atos de desagravo a Kadafi. Imagens divulgadas pela emissora mostravam manifestantes nas ruas da capital exaltando o presidente e empunhando cartazes contra a rede de TV Al-Jazira - vista por várias autocracias árabes como principal culpada pela onda de levantes no Oriente Médio.O jornal privado Quryna, de Benghazi, divulgou que manifestantes antigoverno protestavam armados com coquetéis molotov e pedras. Analistas afirmam que Benghazi tem uma dinâmica política distinta do restante da Líbia. Nenhum protesto contra o governo na capital foi noticiado. Um posto policial teria sido incendiado na cidade de Zentan. / AP, NYT e REUTERSPARA ENTENDEREm 1996, o regime de Muamar Kadafi esmagou uma rebelião no presídio de Abu Salim, deixando 1.200 mortos. Inicialmente, Trípoli negou que o massacre tivesse ocorrido e mesmo que presos tivessem morrido - parentes das vítimas só começaram a ser informados sobre as mortes a partir de 2001. Em 2004, Kadafi falou pela primeira vez sobre a tragédia, reconhecendo que as famílias dos mortos tinham o direito de saber o que havia ocorrido. Um ano depois, uma ONG visitou Abu Salim, mas até hoje as circunstâncias do massacre são desconhecidas.QUEM ÉMUAMAR KADAFIDITADOR DA LÍBIA DESDE 1969O coronel Muamar Kadafi liderou em 1969 a quartelada que depôs o rei Idris, instaurando uma república laica sob a influência da ideologia pan-arabista do Egito da época. Ele se tornou um dos principais párias do Ocidente dos anos 70 aos anos 90, e deu guarida a grupos terroristas palestinos, de esquerda e islâmicos. Na última década, Kadafi aproximou-se da Europa e tenta agora reinserir a Líbia, produtora de petróleo, na economia global

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