ONGs francesas vão à Justiça contra fechamento de campo de refugiados

Organizações de defesa dos direitos humanos afirmam que centro de acolhida construído pelo governo para esvaziar moradias improvisadas de imigrantes em Calais não tem estrutura suficiente para atender a todos; governo quer retirada gradual

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Por Andrei Netto
Atualização:

CALAIS - Dez organizações não governamentais acionaram ontem o Conselho de Estado, mais alta instância da Justiça na França, para tentar impedir o desmantelamento da maior área do campo de imigrantes de Calais, no norte da França.

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A medida tem como objetivo responder à decisão do Tribunal Administrativo de Lille, que na quinta-feira autorizou o Ministério do Interior a desmantelar a área sul em até três semanas.

O impasse em torno da “selva”, como o campo é chamado, cresceu, transformando-se em uma batalha jurídica entre o governo socialista de François Hollande e ONGs de defesa dos direitos humanos, como Médicos Sem Fronteira, Médicos do Mundo e Socorro Católico, que tentam evitar a destruição do campo. Ontem, um grupo de 250 imigrantes e 10 associações interpelou o Conselho de Estado. As entidades alegam que locais de convívio, como centros de culto, uma escola, uma biblioteca, um abrigo para mulheres e crianças, teatros e um espaço para menores serão destruídos se a área sul da “selva”, que representa cerca de 65% do total, for desmantelada, sem que haja alternativas semelhantes nos novos abrigos.

Segundo a advogada do grupo, Julie Bonnier, a decisão do Tribunal Administrativo não pode ser aplicada porque garante a manutenção dos espaços de convívio, ao mesmo tempo em que autoriza a destruição dos barracos usados como moradia. “A decisão não é aplicável e sua imprecisão deve beneficiar os migrantes”, argumenta em seu recurso ao Conselho de Estado.

ONGs ouvidas nesta sexta-feira pelo Estado em Calais alegam ainda que a decisão do Tribunal Administrativo também não considera a diferença de avaliação do número de habitantes da área sul de Calais. Segundo o Ministério do Interior, entre 800 e mil migrantes estão instalados no local, mas as associações contestam a informação, estimando em 3,4 mil o número de estrangeiros.

Na prática, não haveria espaço para todos no Centro de Acolhimento Provisório (CAP) montado pelo governo para transferir os moradores, argumenta Christian Salomé, presidente da Albergue dos Migrantes. “Enviar refugiados de guerra, em pleno inverno, às rodovias da região é, do ponto de vista humano, um recuo. É incompreensível que a Justiça siga esse parecer”, afirmou Salomé.

Coincidência ou não, os ministérios da Habitação e do Interior anunciaram ontem a construção de novos alojamentos com capacidade total para 500 novos moradores em centros de acolhimento espalhados pelo país. “Nosso objetivo é abrigar de forma sustentável os imigrantes de Calais”, afirmou a ministra da Habitação, Emmanuelle Cosse, que ontem coordenou uma reunião de urgência sobre o tema. “Desde outubro, foram abertos centros de acolhimento e orientação que receberam 2,8 mil pessoas.”

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Tentando reduzir a tensão entre o Estado, as ONGs e os migrantes, a prefeita do Departamento de Pas-de-Calais, Fabienne Buccio, reiterou que não haverá prisões e expulsões de estrangeiros, mas garantiu que o desmantelamento do sul da favela é inevitável. “Faremos com tempo, sem pressa. Uma vez que o procedimento comece, não há razão para fixar uma data de conclusão. O importante é saber que nós vamos levar até o fim”, afirmou. Ela descartou a possibilidade de se usar a força e lembrou que cerca de 500 pessoas já deixaram a região de forma voluntária. “O recurso à força não é necessário, pois agiremos com persuasão. Já liberamos quatro hectares sem nenhum recurso à força.”

Nesta sexta-feira, serviços sociais e ONGs discutiam, com argumentos opostos, para convencer os grupos de imigrantes que aceitavam deixar a área em ônibus em direção a centros de acolhimento no interior da França. “Ele vai a um abrigo e será alojado. A seguir, vai refletir no que fazer. Se quiser solicitar o asilo político, será auxiliado. Se não quiser, não o fará”, explicou Nathalie Seys, diretora departamental de Coesão Social, que previa ontem a partida de dois ônibus com 77 lugares.

O governo também vem seduzindo imigrantes ao preparar a documentação necessária para o pedido de asilos. A reportagem do Estado foi abordada por um grupo de afegãos que comemorava a chegada dos documentos. Um deles, eufórico, disse com gestos e algumas palavras: “Quero nadar em Nice e Cannes”.

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