ONU aponta 349 casos de tortura no Brasil

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

O relatório sobre tortura que a Organização das Nações Unidas (ONU) divulga nesta quarta-feira, em Genebra, traz uma lista de 349 casos de pessoas que teriam sido torturadas no Brasil. O Ministério da Justiça recebeu esta semana uma cópia do relatório, que traz 31 "recomendações" ao governo brasileiro. Para o secretário Nacional de Direitos Humanos, embaixador Gilberto Sabóia, que vai lançar em maio uma campanha nacional contra a tortura, o relatório da ONU será construtivo para o País. A maioria dos casos descritos pelo relator especial para questões de tortura da Comissão de Direitos Humanos da ONU, Nigel Rodley, é de tortura praticada no Brasil nos últimos três anos. Grande parte envolve mortes e espancamentos em delegacias e distritos policiais. O relatório descreve os casos por Estado. Aborda desde o caso de um estudante que teria sido espancado pela polícia em Maceió (AL) até o de um rapaz que foi preso no 44º Distrito de São Paulo e três dias depois apareceu morto no pátio. Para preparar seu relatório, Rodley veio ao Brasil em agosto do ano passado e visitou presídios e delegacias em São Paulo, Rio, Brasília, Minas Gerais, Pernambuco e Pará. Na lista de conclusões há uma série de críticas aos sistemas penitenciário e policial do País. Rodley concluiu que o treinamento e a profissionalização dos agentes responsáveis pela custódia e prisão no País é quase sempre "inadequado". Em alguns casos, escreveu o relator, o treinamento não existe. No sistema carcerário brasileiro, segundo a versão do relatório que o MJ recebeu, "a cultura da brutalidade" e da corrupção está "freqüentemente disseminada". Rodley elogia os "aspectos muito positivos" da legislação brasileira, especialmente a Lei que define os crimes de tortura (Lei nº 9.455/77), que considera o crime "grave", mas diz que a lei é "ignorada" por juízes. Uma parcela dos partidos e dos políticos, diz o relator, exploram o medo da criminalidade com fins eleitorais. Quem tem mais dinheiro, segundo o relatório, pode "comprar" um tratamento mais tolerável em relação ao que é dado a negros, pobres, índios e pessoas de áreas rurais. Nas conclusões sobre o sistema prisional, Rodley diz que o "exorbitante" poder que é dado à autoridade policial faz muitas investigações dependerem da boa vontade do delegado. A assistência judiciária gratuita, diz o relatório, é uma "ilusão" para grande parte dos réus. A primeira recomendação de Rodley é para as autoridades da cúpula federal e os líderes políticos. O relator da ONU diz que todos têm de declarar, sem ambiguidade, que não irão tolerar quaisquer formas de tortura, seja por parte de policiais militares ou civis, além de instituições de reabilitação de menores. Estes líderes políticos, diz o relatório, "precisam tomar medidas vigorosas" para que suas declarações tenham credibilidade e para que a cultura da impunidade termine. Outra recomendação do relatório da ONU é de que as prisões sejam informadas aos parentes mais próximos dos réus, com respeito à dignidade das pessoas. O relatório pede ainda que todos os Estados implementem programas de proteção a testemunhas. A ONU sugere que as delegacias de polícia sigam modelo adotado pelo Rio de Janeiro (delegacias legais). Sugere também que um médico examine toda pessoa que entre ou saia do sistema penitenciário. Rodley reservou parte do seu relatório para falar sobre os problemas de superlotação de delegacias, presídios e na Febem de São Paulo. Numa delegacia, o enviado da ONU encontrou 32 detentos dividindo 15 metros quadrados, utilizando um buraco no chão como banheiro. Gilberto Sabóia lembrou que o relatório contém várias recomendações que o Brasil já começou a implantar, exemplo dos programas de proteção a testemunhas ameaçadas e o incentivo à aplicação de penas alternativas. Sabóia lembrou ainda que o emissário da ONU veio ao Brasil a convite do próprio Brasil. Em maio, o governo lança a campanha "Tortura é Crime, Denuncie", com telefone 0800 para denúncias.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.