ONU estuda qualificar violência no Congo de 'genocídio'

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Por DAVID LEWIS
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Crimes cometidos no Congo pelo Exército de Ruanda e por rebeldes congoleses durante a década de 1990 podem ser classificados como genocídio, segundo um relatório ainda não divulgado da Organização das Nações Unidas (ONU), uma acusação que deve causar tensão entre Ruanda e a entidade. Um especialista em Congo disse que os diplomatas estão discutindo a conveniência de incluir a acusação, altamente delicada, na versão final do documento, que detalha crimes cometidos no antigo Zaire entre 1993 e 2003. Esse período inclui a queda do ditador Motubu Sese Seko e um conflito de cinco anos envolvendo seis exércitos estrangeiros, inclusive o de Ruanda, dominado pela etnia tutsi. Milhões de pessoas morreram no conflito, a maioria de fome e doenças evitáveis. Após reprimir o genocídio de 800 mil tutsis em 1994 em Ruanda, o Exército desse pequeno país invadiu o Congo, sob a justificativa de perseguir rebeldes genocidas da etnia hutu que estariam refugiados ali. Nesse processo, as forças de Ruanda contribuíram com a ascensão das forças de Laurent Kabila ao poder no Congo. Ambas as forças foram acusadas de diversos abusos contra soldados e civis hutus no Congo. "Os ataques sistemáticos e disseminados (contra hutus no Congo) descritos ... revelam um número de elementos danosos que, se provados diante de uma corte competente, poderiam ser classificados como crime de genocídio", disse o relatório, ao qual a Reuters teve acesso na quinta-feira. "O amplo uso de armas brancas ... e os massacres sistemáticos de sobreviventes depois de acampamentos (hutus) serem tomados mostram que as numerosas mortes não podem ser atribuídas aos infortúnios da guerra, nem equiparadas a danos colaterais", afirma o texto. Segundo o jornal francês Le Monde, Ruanda ameaçou retirar seus soldados da força de paz no Sudão por causa dessas acusações. A Reuters não localizou nenhuma autoridade ruandesa que pudesse comentar. Um porta-voz do Acnur (agência de refugiados da ONU), que redigiu o relatório de 545 páginas, disse que o documento vazado era um esboço, ainda contendo erros. O texto detalha cerca de 600 crimes sérios, cometidos por várias facções de diversas nações, mas o autor Jason Stearns, especialista em Congo, disse que Ruanda aparece pior. "A acusação de que o Exército ruandês poderia ser culpado de atos de genocídio contra refugiados hutus irá macular fortemente a reputação de um governo que se orgulha de ter levado ao fim o genocídio contra os tutsis em Ruanda", disse ele. O relatório final deve ser apresentado na semana que vem pelo Acnur. (Reportagem adicional de John Irish, em Paris; e de Stephanie Nebehay, em Genebra)

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