ONU questiona tortura e morte no regime militar brasileiro

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Por Agencia Estado
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As Nações Unidas (ONU) surpreenderam o governo brasileiro, hoje em Genebra, ao tocar em uma das questões mais delicadas da história recente do País: a validade da lei da Anistia, de 1978, e a punição de militares que tenham cometido violações aos direitos humanos. Durante a "sabatina" do Brasil sobre o cumprimento da Convenção contra Tortura, a ONU questionou se, em um Estado que se diz democrático, a lei da anistia deveria continuar a ser respeitada. Com dez anos de atraso, a delegação brasileira apresentou hoje um relatório sobre o que tem feito para evitar a tortura no País. As explicações do Brasil, porém, foram alvo de duras críticas por parte dos dez peritos que fazem parte do Comitê contra a Tortura da ONU. Um deles, Antonio Gaspar, chegou a afirmar que existe uma "cultura de abuso de poder no País", que se traduz na forma de atuar da polícia. Amanhã será a vez do governo tentar responder às perguntas. Ao sair da sessão, hoje, os representantes brasileiros visivelmente preocupados. "Sabemos que, durante o regime militar, violações ocorreram. A questão que queremos saber agora é se o governo democrático se sente obrigado a respeitar a lei da anistia, mesmo que isso signifique que graves violações aos direitos humanos fiquem impunes", questiona Peter Burns, presidente do Comitê contra a Tortura da ONU. Para os especialistas, uma reação do governo a essa pergunta será a chave para entender porque a impunidade no Brasil continua tão alta, mesmo com o fim do regime militar. "É deprimente a leitura do relatório sobre o que tem sido o exercício dos deveres do estado brasileiro", afirma Gaspar, que lembra que muitas vezes, policiais sequer são suspensos de seus trabalhos e continuam exercendo suas funções normalmente. Alejandro Gonzales, outro perito da ONU, explicou que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já declarou que as leis de anistia da Argentina, Chile e Uruguai são ilegais e que, quando se trata de crimes graves à humanidade, como tortura, os responsáveis devem ser punidos. A recusa de cumprir a lei da anistia gerou, nesses países, uma verdadeira caça às bruxas e culminou na abertura de processos contra os generais que comandaram os países, como Videla na Argentina e Pinochet no Chile. Para as organizações não-governamentais, caso uma declaração seja feita pela Comissão Interamercana de Direitos Humanos sobre a lei da anistia no Brasil, estaria a aberta a possibilidade para que processos no País fossem iniciados pedindo a investigação de crimes que aconteceram até mesmo durante o regime militar. Na avaliação do deputado Nelson Pellegrino, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, "o debate sobre a anistia ainda é um tabu e o Brasil deve começar a encarar seu passado para que possa consolidar a democracia". Uma prova dessa impunidade que impera no País é a constatação da ONU de que, apesar da lei contra a tortura ter sido adotada em 1997, ninguém jamais foi condenado pelo crime. "Há uma negligência institucional para tratar do problema", afirma Gaspar. Para piorar a situação, a ONU ainda quer saber o que é que o Brasil faz com suspeitos de tortura que estejam no território brasileiro, mas que não tenham realizado as violações no País. É o caso de ditadores como o general Alfredo Stroessner, que comandou o Paraguai durante 35 anos e que vive em Brasília, apesar de ser acusado, na justiça paraguaia de assassinato e tortura. Os especialistas da ONU ainda questionaram o governo brasileiro sobre a prática de tortura nas Forças Armadas. Segundo dados da ONU, foram identificados 11 casos de tortura nas Forças Armadas desde 1990. Cinco teriam causado a morte de oficiais.

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