ONU torce por melhor relação com EUA

Preterida por Bush, entidade quer recuperar espaço na Casa Branca

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Por Jamil Chade e GENEBRA
Atualização:

Passada a eleição presidencial, a ONU espera inaugurar uma nova era nas relações com os Estados Unidos. Nos últimos oito anos, o governo do presidente George W. Bush questionou a utilidade da entidade, passou por cima de suas recomendações, entrou em guerra sem autorização do Conselho de Segurança, conseguiu expulsar diretores que não considerava convenientes e chegou a abandonar alguns dos comitês mais importantes do órgão. Com o encerramento do atual governo e a crise que se espalhou pelo mercado financeiro, a esperança da cúpula da ONU é de que o órgão volte a fazer parte da agenda política da Casa Branca. O chanceler brasileiro, Celso Amorim, acredita que a troca de comando no governo americano pode resultar numa maior disposição para que a reforma do Conselho de Segurança da ONU seja acelerada. Países como Brasil, Alemanha, Índia e Japão buscam há anos um assento permanente na organização, hoje um privilégio restrito a Estados Unidos, Rússia, China, França e Grã-Bretanha. "Tudo indica que esse processo de reforma será acelerado", diz Amorim. Sem deixar de lado sua tradicional diplomacia e sabendo que conquistou o cargo com o apoio de Bush, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, diz que seu plano é apenas "melhorar e fortalecer" o relacionamento da entidade com a nova administração. Ban argumenta que uma de suas prioridades desde que assumiu, em 2007, foi assegurar a condução de uma relação "harmônica" com o governo americano. Washington paga, atualmente, por 22% do orçamento da ONU. Mas, desde que Bush assumiu, muitos dos programas da organização foram questionados ou congelados, por não integrarem a lista de prioridades do governo americano. "Estou preparado para trabalhar de forma intensa com o próximo presidente americano", disse Ban. "Estou certo de que poderemos fortalecer nossa relação com os Estados Unidos." Nos corredores da ONU, entretanto, o clima é bem menos diplomático e se aproxima do alívio quando o assunto é o fim do governo liderado por Bush. "Poucas vezes a entidade passou anos de tanto desprezo", afirmou um diplomata asiático, que preferiu não se identificar. ATRITO A crise entre a ONU e o governo americano teve início logo depois que Bush assumiu. Em 2002, Washington bloqueou a criação de um órgão internacional que seria responsável pela verificação de armas biológicas. A proposta já havia sido endossada por todos os demais países que integram a organização, num processo que levou dez anos para ser concluído. Naquele mesmo ano, a Casa Branca ainda manobrou a queda do diretor da Organização de Proibição de Armas Químicas, o brasileiro José Bustani. Ele teria proposto uma agenda de verificação das armas iraquianas, uma saída diplomática para evitar um enfrentamento com Bagdá. A relação chegou a seu ponto mais baixo em 2003, quando Bush ignorou o Conselho de Segurança da ONU e decidiu atacar o Iraque, mesmo sem autorização. Na época, o então secretário-geral Kofi Annan declarou a guerra "ilegal". Meses depois, senadores republicanos lançaram investigações contra o filho de Annan, a quem acusavam de ter participado de um esquema de corrupção na própria organização. Em 2005, Bush levou a Nova York o embaixador John Bolton para liderar a diplomacia americana na ONU. Bolton era conhecido como um dos maiores críticos da ONU. Como resultado, todo o processo de reforma da instituição foi interrompido. Para completar, a Casa Branca decidiu abandonar o Conselho de Direitos Humanos e rever conceitos de tortura. Com o apoio explícito de Bush, Ban cercou-se de americanos ao assumir o posto. Entre seus principais auxiliares, estavam dois ex-diplomatas vindos dos Estados Unidos, sendo um deles responsável por redigir seus discursos. "Conseguimos reconstruir pontes com os americanos", afirmou Ban.

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