A oposição síria que negocia um acordo político para colocar o fim à guerra colocou nesta terça-feira, 15, sua primeira exigência no processo diplomático: a garantia de que o regime de Bashar Assad vai liberar milhares de presos políticos pelo país, antes mesmo de um governo de transição surgir.
O alerta foi feito na primeira reunião do Alto Comitê Negociador (aliança de grupos rebeldes) com o mediador da ONU, Steffan de Mistura. "Entregamos ao mediador os princípios gerais que deveriam guiar o processo de transição", disse Bassma Kodmani, representante da oposição.
Para ela, antes que o processo de transição comece a se concretizar, cabe ao governo liberar os presos. "Esse gesto é uma obrigação e se deve acatar",disse. "O regime executa prisioneiros diariamente. Não é algo que possamos negociar", afirmou.
A liberação dos prisioneiros também foi defendida pela Comissão de Inquérito da ONU sobre Crimes Cometidos na Síria. Na apresentação de seu relatório anual, nesta terça-feira, o grupo liderado pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro advertiu que o gesto não deve aguardar até que a transição seja realizada.
"O momento de liberar prisioneiros é agora", disse Pinheiro. "Nós fizemos isso nas transições políticas da Argentina, Chile e mesmo no Brasil. Não há motivo para que presos políticos não sejam liberados por ambos os lados na Síria como um fator para construir a confiança entre as partes na negociação", disse ao Estado. "Mulheres e crianças estão presas de forma arbitrária e isso precisa acabar", afirmou. "Não há necessidade de esperar até o fim das negociações de paz para liberar esses presos. Fizemos isso na América Latina e não há motivo para não fazer na Síria", insistiu.
Pinheiro também pede que prisões e locais secretos de detenção sejam abertos para o monitoramento internacional.
O brasileiro, porém, não esconde que, pela primeira vez em cinco anos, se sente otimista diante das negociações de paz. "Essa é a melhor chance que temos de acabar com a guerra. Pela primeira vez em cinco anos existe uma esperança para o fim do conflito", afirmou. Segundo ele, a mediação da ONU conseguiu reduzir a violência e um cessar-fogo, ainda que frágil, está sendo mantido. "Pela primeira vez desde que a guerra começou, civis em grandes partes do país sentem a volta à normalidade em suas vidas diárias", disse Pinheiro.
Mas o brasileiro insiste que apenas chegar a um fim da guerra não será suficiente. "Apesar das melhorias, não podemos esquecer que, hoje, sérias violações continuam a existir", declarou. "Milhares estão presos e torturados, muitos morrendo nas prisões. Um número incontável de pessoas ainda estão desaparecidos", disse Pinheiro, apontando para as ações do Estado Islâmico e do uso de 3 mil meninas como escravas sexuais.
Pinheiro deixou claro que um acordo político não pode significar o abandono da busca pela Justiça. "O diálogo político precisa incluir a discussão sobre opções de justiça transitória", disse. Durante seus anos de trabalho, Pinheiro lembrou que reuniu centenas de nomes e de crimes de guerra cometidos pelo governo, rebeldes e por terroristas."Esse trabalho da uma visão precisa do que ocorreu na Síria", disse. "Precisamos que a Justiça continue na mesa de negociação", afirmou.
"Quando falamos com as vítimas cujas vidas foram destruídas pelo conflito, sua mensagem é clara : eles querem paz. E eles exigem justiça", disse Pinheiro.