Oposição vence e põe fim a meio século de governo liberal no Japão

Premiê Taro Aso admite derrota para o Partido Democrático, cujo líder, Yukio Hatoyama, deve ser seu sucessor

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Por Cláudia Trevisan e TÓQUIO
Atualização:

Os japoneses puseram fim ontem a 54 anos quase ininterruptos de governo do Partido Liberal Democrático (PLD), em meio à mais grave crise do pós-guerra e à redução da projeção internacional do Japão, que em breve perderá o posto de segunda maior economia do mundo para a vizinha China. Os eleitores deram uma vitória avassaladora ao Partido Democrático do Japão (PDJ), que deverá ter pelo menos 308 das 480 cadeiras da Câmara Baixa, segundo uma projeção da rede de TV pública NHK. Se conseguir conquistar 321, o PDJ terá a possibilidade de aprovar leis sem necessidade de aliança com outras legendas, algo que nem o governo atual possui. A previsão é que o resultado oficial seja publicado ainda hoje. Pouco mais de duas horas depois do encerramento da votação, o primeiro-ministro Taro Aso reconheceu a derrota e anunciou sua renúncia da presidência do PLD. O número de parlamentares de seu partido vai despencar dos atuais 302 para algo em torno de 100. O Parlamento eleito ontem terá 30 dias para realizar sua primeira sessão, na qual será eleito o novo chefe de governo. A menos que aconteça algo inesperado, o cargo será ocupado por Yukio Hatoyama, de 62 anos, político de retórica reformista, mas que tem uma trajetória ligada ao mesmo establishment que derrotou nas urnas. Neto de um premiê que participou da fundação do PLD, Hatoyama pertenceu ao partido até 1993, quando passou para a oposição. Cinco anos mais tarde, ele participou da fundação do PDJ, que agora chega ao poder. Seu pai foi chanceler do PLD e seu irmão é deputado pelo mesmo partido. O presidente Barack Obama disse que pretende ter uma forte aliança com o futuro premiê. Diante da maior taxa de desemprego desde o fim da 2ª Guerra e um crescente sentimento de insegurança em relação ao futuro, os japoneses foram seduzidos pelas promessas dos democratas de reforçar a rede de proteção social. A definição do papel do Estado na economia e na vida dos cidadãos é a principal diferença entre liberais e democratas. A legenda vencedora defende o pagamento de generosos benefícios sociais e promete acabar com a cobrança de pedágios nas rodovias japonesas. Hatoyama e seus seguidores afirmam que o aumento de dinheiro no bolso dos cidadãos é o modo mais eficaz de estimular a atividade econômica, enquanto o derrotado PLD é favorável à concessão de estímulos para as empresas. Mais do que votar a favor do PDJ, os eleitores votaram contra a permanência no poder do PLD, visto cada vez mais como aliado das grandes corporações e da poderosa burocracia japonesa. "Vivemos em uma espécie de ditadura política de partido único. O Japão precisa de mudança e de alternância no poder", disse Taku, de 36 anos, após votar no bairro de Chiyoda, que como a maioria dos entrevistados japoneses se identificou apenas com o primeiro nome. O paralelo com a eleição de Obama foi explorado à exaustão por Hatoyama, que chegou a usar imagens da campanha do americano em seus anúncios. "Como na América com Obama, precisamos de uma mudança", disse a aposentada Mieko, após votar no PDJ. Com uma economia extremamente dependente das exportações, o Japão sofreu um baque com a crise financeira internacional, que levou o desemprego a 5,7% em junho, a maior taxa do período pós-guerra. Os contratos temporários ou de meio período já são um terço do total. Além de prometer pagar benefícios sociais, o PDJ defende o restabelecimento dos contratos de trabalho regulares, apontados por muitos analistas como um fator de engessamento do mercado de trabalho local. Se adotada, a mudança pode afetar os quase 300 mil imigrantes brasileiros que estão no país, quase todos contratados em regime temporário. Os eleitores também foram atraídos pelas propostas de reformas políticas apresentadas pelo PDJ, principalmente diante de um PLD que parecia cada vez mais distante do cidadão comum. Os vencedores defendem a redução da burocracia do Estado e propõem medidas para acabar com hereditariedade na política, pela qual os filhos se elegem para suceder os pais em seus distritos eleitorais. A promessa do PDJ de acabar com a suposta aliança entre o PLD, o mundo empresarial e a burocracia atraiu eleitores tanto quanto as propostas econômicas. "Faz muito tempo que o PLD está no poder e não gosto mais da maneira como eles fazem política", ressaltou Disuke, de 60 anos, que sempre votou nos liberais, mas desta vez decidiu optar pelos democratas. Os candidatos fizeram campanha até no sábado. Apesar da chuva e do frio de ontem, institutos de pesquisa estimam que o comparecimento nas urnas foi de quase 70% dos eleitores.

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