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Organização ligada ao governo da Etiópia denuncia massacre de 600 civis por grupo tigré

Comissão de direitos humanos afirma que jovens da etnia, com apoio de milícias e forças de segurança locais, mataram centenas de moradores da cidade de Mai Kadra

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Por Redação
Atualização:

ADIS ABEBA — Um grupo de jovens da etnia tigré, apoiado por milícias e forças de segurança locais, massacrou centenas de civis na região de Tigré, no Norte da Etiópia, onde um conflito entre tropas federais e regionais ocorre desde o início de novembro, apontou uma investigação da Comissão de Direitos Humanos da Etiópia nesta terça-feira, 24.

A comissão, financiada pelo governo federal, afirmou em um relatório que cerca de 600 pessoas dos grupos étnicos amhara e wolkait foram assassinadas em um ataque em 9 de novembro na cidade de Mai Kadra, no sudoeste de Tigré.

Uma mulher está em uma sala de chapa de metal que foi danificada por um bombardeio, em Humera, Etiópia.Nesse complexo residencial, duas mulheres e um homem idoso foram mortos por bombardeios e tiros. Foto: Eduardo Soteras/AFP

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Segundo um comunicado da comissão, "o massacre de civis foi cometido por um grupo informal de jovens tigré conhecido como 'Samri', auxiliado e estimulado por membros do que era então a administração local e forças de segurança em Mai Kada", antes de tropas federais chegarem ao local no dia seguinte. 

A comissão ainda disse que o ocorrido indica "fortemente a ocorrência de graves violações dos direitos humanos que podem constituir crimes contra a humanidade e crimes de guerra."

Em 12 de novembro, a Anistia Internacional publicara um relatório apontando o assassinato de "dezenas, mas provavelmente centenas de civis" na cidade, também em 9 de novembro. À época, a organização falara com pessoas que estiveram em Mai Kadra no dia seguinte ao massacre.

Agora, a Comissão de Direitos Humanos, além de revelar um número maior e mais preciso de vítimas, publica um relatório após conversar com sobreviventes, parentes de vítimas, pessoas responsáveis pelo enterro dos mortos e outras testemunhas.

O relatório aponta que civis que não eram da etnia tigré, principalmente amharas e wolkaits, foram "espancados com bastões e pedaços de madeira, esfaqueados com facadas, facões e machados, e estrangulados com cordas."

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Sobreviventes contaram que conseguiram escapar se escondendo em outras casas ou fingindo estarem mortos após "espancamentos severos." Alguns civis também conseguiram se esconder em uma igreja.

Procurada, a reportagem não conseguiu entrar em contato com a Frente de Libertação do Povo Tigré (FLPT), que governa a região, mas ela já havia negado envolvimento após a publicação do relatório da Anistia Internacional.

A Reuters não conseguiu verificar de maneira independente os relatos, já que, desde 4 de novembro, a região está isolada e as linhas de telefone e de internet estão cortadas. O governo federal iniciou uma ofensiva na região no início do mês, depois de denunciar supostos ataques da FLPT a duas de suas bases militares.

No Twitter, o correspondente do jornal britânico The Telegraph na África pontuou que conversara com mais de dez refugiados no Sudão, que fugiram da cidade de Mai Kadra, que alegaram que milícias da região de Amhara e tropas federais "massacraram" pessoas.

Nesta terça-feira, o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse estar "profundamente preocupado" com a situação na região de Tigré, solicitando aos líderes que protejam os civis.

Os Estados Unidos, que têm a Etiópia como um poderoso aliado, França e Reino Unido foram as últimas potências estrangeiras a pedir que o conflito seja apaziguado.

O mesmo pedido já foi feito por outras organizações, como a União Africana, a União Europeia, a ONU e até o Papa. O primeiro-ministro, Abiy Ahmed, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2019, no entanto, ignorou todos os apelos.

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Desde o início dos combates, em 4 de novembro, pelo menos centenas de soldados morreram dos dois lados, mais de 41 mil etíopes fugiram para o Sudão e houve destruição e expulsão de moradores de suas casas na região de Tigré.

As tensões entre os governos regional e federal vinham crescendo a meses. A FLPT, que governara por décadas o país, acusa o primeiro-ministro de perseguição desde que ele assumiu o cargo em 2018.

Disputa de narrativas

No domingo, Abiy deu um ultimato de 72 horas para que as forças de segurança de Tigré se rendessem, avisando que suas tropas iniciarão uma ofensiva contra a capital regional, Mek'ele, onde moram cerca de meio milhão de pessoas, se a demanda não for atendida.

O governo de Abiy disse que muitos combatentes de Tigré aceitaram se render após o seu ultimato.

"Durante o período de 72 horas do governo, um grande número de soldados das milícias de Tigré e das forças especiais estão se rendendo", afirmou a força-tarefa do governo.

Já a FLPT afirmou que suas tropas estavam mantendo as forças federais sob controle e obtendo vitórias. Um porta-voz, Getachew Reda, disse que uma importante unidade do Exército de Abiy foi derrotada. A porta-voz do primeiro-ministro, no entanto, negou isso.

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O líder de Tigré, Debretsion Gebremichael, ainda contestou a afirmação do governo de que as tropas federais estão a 50 km de Mek'ele.

Em Genebra, a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, se mostrou preocupada com os relatos da presença de tanques e de artilharia do lado de fora de Mek'ele.

“Vimos um coronel etíope [porta-voz das tropas federais] chegar e dizer que não haveria misericórdia. Do outro lado, você tem a liderança da FLPT dizendo que eles estão prontos para morrer”, disse Bachelet. “Essa é uma retórica extremamente preocupante e que pode provocar ou levar a graves violações do direito internacional humanitário.”/ AFP e REUTERS

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