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Organização turca alvo de Erdogan teme prisão de mais 300 no Brasil

Cerca de 250 turcos ligados a centro cultural e em situação igual à de Ali Sipahi, detido no dia 6, vieram para o Brasil após 2016, quando líder criticado por guinada autoritária qualificou o movimento Hizmet de terrorista

Foto do author Luiz Raatz
Foto do author Rodrigo Turrer
Por Luiz Raatz e Rodrigo Turrer
Atualização:

A organização turca Hizmet, considerada um grupo terrorista pelo governo do presidente Recep Tayyip Erdogan, teme que cerca de 300 turcos moradores do Brasil ligados ao movimento sejam presos e sofram processos de extradição similares ao do empresário Ali Sipahi, detido desde 6 de abril. A entidade, que não é considerada um risco fora da Turquia, é liderada pelo clérigo muçulmano moderado Fethullah Gülen. Ele vive nos EUA e conta com a proteção do governo americano.

Ali Sipahi, empresário turco, em viagem aos Estados Unidos, antes de ser preso no Brasil Foto: Arquivo Pessoal

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A situação de Sipahi pode colocar o governo de Jair Bolsonaro em um impasse. Se o Supremo Tribunal Federal (STF) negar a extradição, o Executivo não pode intervir. Mas se o STF permitir a extradição, Bolsonaro poderia vetá-la. Foi o que aconteceu no caso Cesare Battisti, em 2009, quando o STF decidiu que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia rejeitar a extradição do italiano.

Como os EUA protegem Gülen, e como o governo Erdogan é alinhado a países como Venezuela e Rússia, tanto a extradição quanto sua rejeição podem se tornar um incidente diplomático. O governo brasileiro não se manifestou sobre o caso.

Sipahi tem 31 anos e mora no Brasil desde 2007. Naturalizado brasileiro, tem um filho nascido no País e é dono de dois restaurantes em São Paulo. Sipahi é acusado pela Procuradoria de Ancara de ser membro da organização do clérigo por ter conduzido atividades no Centro Cultural Brasil-Turquia (CCBT) e na Câmara de Comércio e Indústria Turco-Brasileira (CCITB), entidades que têm vínculos com o Hizmet e recebem verba do grupo. 

Elias Kar, sócio de Ali Sipahi em restaurante fast-food de culinaria turca na R. Augusta em São Paulo Foto: Daniel Teixeira / Estadão

“Cerca de 300 turcos vivem no Brasil e mantêm atividades com o Centro Cultural e o Hizmet, e têm situação idêntica à de Ali”, afirmou ao Estado Kamil Ergin, porta-voz do Centro Cultural Brasil-Turquia. “Cerca de 250 vieram para o Brasil depois de 2016, quando Erdogan classificou o Hizmet como terrorista, e 50 viviam aqui antes. São empresários, jornalistas, advogados, médicos.”

O Hizmet, que significa “servir” em turco, foi considerado uma organização terrorista em 2016, após Erdogan acusar o movimento de tramar o golpe de Estado que tentou tirá-lo do poder. Em julho daquele ano, as Forças Armadas colocaram tanques nas ruas para tentar derrubar Erdogan, que conseguiu reverter o movimento. 

O movimento de Gülen foi essencial para a ascensão de Erdogan e de seu Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP), no início dos anos 2000, mas os dois grupos se distanciaram. De 2013 para cá, Gülen e Erdogan se tornaram inimigos. 

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Até 2016, a perseguição era velada, afirma o Hizmet. “Jornais foram fechados, algumas pessoas eram vigiadas e presas”, afirma Kamil Ergin. Mas depois da tentativa de golpe, Erdogan classificou o Hizmet como grupo terrorista, o que permitiu ao Estado decretar prisões e perseguir os integrantes do movimento. “O governo cassou passaportes, prendeu milhares de pessoas, e os que conseguiram fugiram para não ser presos”, diz Kamil.

O presidente turco Recep Tayyip Erdogan discursa em evento para homenagear os mortos na tentativa de golpe do dia 15 Foto: AP Photo/Kayhan Ozer Presidential Press Service

Nenhum outro país ou organismo internacional considera o Hizmet, também chamado de Movimento Gülen, uma organização terrorista. O movimento se denomina uma iniciativa civil mundial, enraizada na tradição espiritual e humanística do Islã. Presente em 160 países, patrocina escolas, centros culturais e diversas atividades comerciais. 

A Embaixada da Turquia no Brasil afirmou que não responderia a perguntas específicas sobre Sipahi “uma vez que ele está sujeito a um processo legal em andamento”. Em nota, a embaixada afirma que o Hizmet é uma fachada para as “atividades da organização criminosa e terrorista FETÖ”, grupo que estaria por trás da tentativa de golpe na Turquia em 15 de julho de 2016.

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Em 2016, o governo turco exigiu a extradição do clérigo, que vive desde 1999 nos Estados Unidos. Em sua residência na Pensilvânia, ele nega qualquer envolvimento na tentativa de golpe. O governo americano rejeita deportar Güllen e diz que as acusações contra ele são “sem fundamento”.

O governo de Ancara cita como evidência para a prisão de Sipahi depósitos feitos pelo empresário, entre 2013 e 2014, de 1.721,31 liras turcas (cerca de R$ 1.168) no Banco Asya, que Erdogan fechou em 2015 por ser ligado ao Hizmet. A Justiça turca ordenou o fechamento do banco e decretou que seus correntistas podem ser considerados membros do Hizmet e suspeitos de terrorismo.

Segundo integrantes do movimento no Brasil, o depósito foi feito em uma conta no nome do próprio Sipahi. O pedido de prisão preventiva de Sipahi estava decretado desde 19 de março pelo STF. Os advogados de Sipahi pediram para que ele aguarde o julgamento do pedido de extradição fora da prisão – com a retenção de passaporte ou tornozeleira eletrônica. A Procuradoria, no entanto, foi contrária ao pedido.

O ministro do STF Edson Fachin determinou na quinta-feira que Sipahi seja ouvido. A oitiva do empresário está marcada para o dia 3. / COLABORARAM FERNANDA SIMAS E RENATA TRANCHES

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