14 de novembro de 2015 | 02h00
No último ano, os curdos se tornaram os principais aliados dos EUA na guerra contra o EI. Com apoio de drones americanos, eles têm conseguido impedir o avanço e recobrar território dos combatentes islâmicos.
Mas há outro lado, mais obscuro, dessa história. Os curdos têm sido acusados por organizações como a Human Rights Watch de impedir a volta de antigos moradores aos territórios reconquistados, uma limpeza étnica que visa a um Estado exclusivamente curdo.
As planícies onde fica o Sinjar são terras historicamente ocupadas por cristãos assírios, convertidos ainda no primeiro século. Eles viviam em cidades como Mossul desde sua fundação - a cidade continua sob domínio do EI. Quando o EI avançou sobre Nínive, os cristãos não puderam defender-se porque não lhes era permitido ter armas. Os terroristas caçaram os moradores de casa em casa - em cada porta, marcavam com spray a letra "n" de nasara (cristãos, em árabe). Nos meses seguintes, relatos vindos dos vilarejos ocupados descreviam a crucificação de homens que teriam se recusado a aceitar o Islã, mulheres escravizadas e usadas para o sexo por serem "infiéis", crianças retiradas dos pais e entregues a famílias muçulmanas, igrejas queimadas.
Aterrorizados e sem refúgio seguro, pelo menos dois terços dos 1,5 milhão de cristãos iraquianos deixaram o país. O mesmo ocorre na vizinha Síria. Antes da guerra, os cristãos eram 10% dos 22 milhões de sírios - ou pouco mais de dois milhões de pessoas. Hoje, acredita-se que não ultrapassem 400 mil.
Entre eles, estão centenas de assírios sequestrados pelo EI em Hassakah, em fevereiro. Em agosto, a milícia curda Unidades de Proteção do Povo (conhecida como YPG) retomou a província.
Esta semana, líderes das poucas igrejas que sobrevivem em Hasakah denunciaram o confisco de propriedades de cristãos que deixaram a região. Em Qamishli, controlada pelo YPG e por tropas leais a Assad, famílias curdas receberam notificação de que seus filhos estavam proibidos de estudar em escolas cristãs. Crianças serão transferidas a instituições curdas que adotaram o currículo aprovado pelo Partido da União Democrática, braço político do YPG.
A comunidade cristã síria é uma das mais antigas. Acredita-se que o apóstolo Paulo tenha se convertido a caminho de Damasco. Maloula, a 50 quilômetros da capital, é a única vila onde ainda se fala o aramaico de Jesus. A aldeia foi atacada por grupos ligados à Al-Qaeda; igrejas e monastérios, destruídos. Em maio, forças de Assad recuperaram o vilarejo, mas a maior parte da população fugira.
Embora minoria, os cristãos sírios eram parte da elite. Eles cofundaram o Partido Baath, de Assad, no poder desde 1963. Por décadas, a Síria abrigou cristãos perseguidos em outras partes do Oriente Médio. Mas o aprofundamento do sectarismo tornou o país inseguro demais. O Líbano, que tem 30% da população cristã passou a ser refúgio, mas voltou a enfrentar atentados terroristas.
Milhares de cristãos têm migrado para a Europa. Antes 14% da população do Oriente Médio, eles hoje não passam de 4% segundo o Pew Research Center. Líderes das igrejas locais já falam no fim do cristianismo na região.
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