Não foi de graça, é bom esclarecer. O ditador Bashar Assad pagou bem e em dinheiro vivo pela energia bolivariana. O mimo de Caracas foi de outra ordem. Ao cumprir o contrato de fornecimento com o governo Assad, Chávez tratou de parceiro legítimo e civilizado um pária internacional. Enquanto o cargueiro Negra Hipólita chegava às águas sírias, milícias ligadas ao ditador Bashar Assad soltaram o terror na cidade de Hula, matando 108 pessoas, 49 delas crianças, segundo as Nações Unidas.
A chacina provocou revolta pelo mundo que reagiu com medidas duras. Só esta semana, mais de dez países expulsaram os embaixadores da Síria em inusitada ação combinada da diplomacia global. A repulsa foi geral , menos na Venezuela, onde o comandante Chávez nunca viu um tirano que não chamasse de companheiro. "Estamos dispostos a ajudar", afirma o ministro de Petróleo e Minas, Rafael Ramirez.
Não se pode dizer que Chávez é responsável pela matança de Hula. A quantidade de óleo enviado aos sírios - 600 mil barris até agora - é modesta, mas emblemática. Cada litro de combustível é um aditivo à máquina letal de Assad, ajudando a mover tanques e tropas. O que pensam os sírios do fato de que o óleo que amamenta o terror de Assad chegou abordo do Negra Hipólita, petroleiro batizado em homenagem à ama querida de Simón Bolívar, o libertador latino-americano?
Há dúvidas importantes e divergências honestas sobre o que se deve fazer para estancar a sangria nas ruas da Síria, até mesmo na América Latina. Muitos se preocupam com um desfecho à Líbia, onde a deposição de Muamar Kadafi livrou o povo do jugo de um tirano, mas ameaça levar o país a uma guerra civil.
Impasse. Mas tampouco prospera a solução negociada da Liga Árabe e das Nações Unidas, liderada pelo ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan e apoiado pelo Itamaraty. O ataque a Hula foi deflagrado enquanto Annan negociava com Damasco um acordo de paz monitorado.
A escalada da violência sacudiu o consenso entre emergentes. Até o ano passado diversos países - liderados por Brasil, Índia e Rússia - insistiam, salomônicos, em denunciar a violência de todos os lados, como se o terror das tropas de Assad se igualasse à reação dos rebeldes maltrapilhos. Ainda alertavam contra os possíveis abusos de uma intervenção intempestiva, que poderia atropelar justamente os inocentes que os intervencionistas pretendem proteger.
Mas os massacres desafiam a diplomacia do deixa-disso. O Conselho de Segurança da ONU, em rara declaração unânime, condenou sem meias palavras a "violência ultrajante" sírio, ainda que hesite em abraçar sanções mais severas. Entre os receosos estão China, Rússia e Brasil. Convém lembrar as palavras de Edward Luck, assessor especial da ONU: "Quando milhares de vidas estão em jogo, precisamos de ação pronta e decisiva", disse. "Postergar a resposta não a torna mais responsável."
Os países latinos resistem a uma ação militar na Síria. Mas silenciar sobre um vizinho que vende petróleo a Assad é jogar às chamas as parcas chances de paz que ainda existam.
É COLUNISTA DO ESTADO, CORRESPONDENTE DA REVISTA NEWSWEEK, EDITA O SITE WWW.BRAZILINFOCUS.COM