Os exilados do Irã

Opositores do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, enfrentam, cada um à sua maneira, a repressão e a perseguição de um regime que não admite ser questionado

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Primeiro, Negar Azizmoradi contatou-me. Em seguida, li sobre Mohammed Reza Heydari. São dois iranianos, dois exilados. Ambos representam uma verdade de um povo fraudado e desmentido. Tratarei inicialmente de Heydari. Ele é o bravo diplomata iraniano na Noruega que desertou depois que lhe pediram para mudar a contagem dos votos que ele certificou: 650 votos na embaixada, 540 dos quais (ou 83%) eram para o líder da oposição, Mir Hussein Mousavi, um resultado consistente com o trânsito telegráfico que ele viu de outras embaixadas. "A vontade das pessoas foi clara", disse Heydari a Margaret Coker, do Wall Street Journal. Acredito que foi. Mude este número, mude aquele número ? e logo será possível tirar os fantásticos 62,63% do presidente Mahmoud Ahmadinejad do ar. Três dias após o resultado da eleição de 12 de junho ser anunciado no Irã, encontrei-me com Negar por alguns minutos. Ela estava ao meu lado, por acaso, na avenida entre a Praça Enghelab (Revolução) e a Praça Azadi (Liberdade) no centro de Teerã. Lado a lado, nós caminhamos numa multidão posteriormente calculada em mais de 2 milhões de pessoas, um Irã que se havia erguido para protestar contra o roubo nas urnas. Raramente, dignidade e indignação foram aglutinados com tal determinação como naquela segunda-feira, 15 de junho. "Onde estão os 63%?", perguntava uma faixa. Eu me virei para Negar. "Houve uma grande fraude", disse ela. "Esperávamos que depois de 30 anos poderíamos ter uma pequena escolha." Negar sorriu e afastou-se. Para sempre, eu pensei. Nove meses passaram-se desde então, tempo suficiente para nascer o maior movimento de protesto popular no Oriente Médio, tempo suficiente para matanças e prisões em massa, tempo suficiente para a esperança crescer e diminuir, e tempo suficiente para muitos que não estavam lá em junho opinarem que a multidão que protestava era menor ou que o triunfo de Ahmadinejad foi genuíno. Por vezes, é preciso cheirar a verdade, respirá-la. Heydari fez isso. Alguma coisa estava podre, então, no Estado do Irã. Ainda está. Um erro histórico foi cometido. Ele corrói as entranhas da República Islâmica. A multidão foi dispersada, mas não mudou. Esta dispersão foi dura. Eu gostaria de falar sobre a odisseia de nove meses de Negar. Houve tempo suficiente, também, para a subversão de vidas. O palavrório sobre o Irã torna-se abstrato, todas aquelas palavras moldadas em torno de tanta opacidade, teorias proliferando na proporção inversa dos fatos. Bombardear o Irã pode soar como uma decisão com todo peso de ir a Chinatown para almoçar. Coloquem as palavras "nuclear" e "Irã" juntas com frequência suficiente e a noção de que o lugar está atomicamente armado (não está) propaga-se sozinha. Depois do Iraque, porém, devemos ser muito cuidadosos, tentando nos ater ao que sabemos, não ao que imaginamos ou ao que é alarmista. Eis uma coisa que eu sei. O Irã está cheio de pessoas como Negar ? ela tem 32 anos, é editora de cinema, odeia o regime e não quer que seu país seja atacado, o que seria um retorno às sirenes ululantes da guerra Irã-Iraque de sua juventude (em que Israel apoiou o Irã). Negar entrou em contato comigo outro dia, quando ela estava numa cidade da região central da Turquia. Ela vive ali, no limbo, enquanto seu pedido de status de refugiada é processado por uma agência da ONU. Sua história devolveu-me ao percurso da revolução à liberdade. É apenas uma história iraniana comum ? de desperdício. Em 17 de julho, ela estava numa multidão de manifestantes quando agentes de segurança a agarraram, bateram sua cabeça numa tubulação de água e quebraram sua mão. Sua câmera e sua bolsa foram arrancadas. "Eu sabia que eles viriam atrás de mim." Ela conseguiu renovar seu passaporte, voou para Istambul, e decidiu buscar asilo na Grã-Bretanha. Seus pais tomaram dinheiro emprestado e ela pagou US$ 10 mil por um passaporte italiano falso. O contrabandista de pessoas disse que ela devia viajar a Nairóbi, no Quênia, e, dali, para Londres. Desta forma, ela pareceria uma turista. Assim, Negar seguiu para a África, passou quatro dias zanzando por Nairóbi ? e foi detida no aeroporto. A possibilidade de deportação para o Irã despontava. "Não", disse Negar, uma ateia convicta. "Eles poderiam me matar." Ela foi posta num avião para Istambul via Dubai. Em Dubai, as autoridades queriam deportá-la para o Irã. Ela resistiu novamente e prosseguiu para a Turquia, onde foi detida e mantida presa por cinco semanas. Pelos termos de sua soltura, ela tinha de se mudar para o centro da Turquia e esperar o resultado da solicitação da condição de refugiada. O turbilhão da História a apanhou. O coração de Negar está no Irã. "Era um grande momento, a mudança ocorreu", disse-me ela. "As pessoas estão motivadas; essa estupidez não pode continuar. Antes, estávamos escondidos, agora nos encontramos. O dia em que o conheci foi incrível, tanta serenidade. Eu percebi: os iranianos preocupam-se com seu destino." Negar agora quer vir aos Estados Unidos, até surgir o novo Irã que ela considera inevitável. Perguntei-lhe por quê. "Porque ali eu posso ser da maneira que sou." Negar não quer que seu país seja bombardeado. "Seria um erro muito, mas muito grande. Todos os iranianos se uniriam, revoltados." Seu próprio governo calou a voz de Negar. Mas o mundo precisa escutar. É o seu país, afinal ? e o do contador de votos Heydari. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK É ESCRITOR BRITÂNICO E COLUNISTA

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