Os fracassos egípcios

Egito não conseguiu levar a sério os direitos humanos

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Por É PESQUISADOR SÊNIOR NA HUMAN RIGHTS WATCH , DANIEL , WILLIAMS , É PESQUISADOR SÊNIOR NA HUMAN RIGHTS WATCH , DANIEL e WILLIAMS
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Após a derrubada de Hosni Mubarak em fevereiro de 2011, eu às vezes me perguntava como seriam as coisas se os generais tivessem tentado defender seu regime de 30 anos. Agora eu sei. O Cairo é uma cidade sob a mira de armas militares. Soldados ocupam postos de controle espalhados pelas vias principais. Viaturas policiais e esquadrões da tropa de choque se escondem em ruas secundárias. Partidários da nova ordem correm desenfreadamente em grupos organizados - se assim podem ser chamados - aparentemente sob o comando de adolescentes que parecem ter um apreço exagerado por espadas. A televisão estatal apresenta repetições incessantes de vídeos patrióticos exibindo o hino nacional e garotos pré-adolescentes imberbes espairecendo em ruas curiosamente limpas, uma raridade no Cairo. Em 2011, o Exército estava presumivelmente tentando evitar essa violência quando os generais decidiram não atacar as dezenas de milhares de manifestantes na Praça Tahrir e preferiram depor Mubarak e estabelecer uma transição democrática. O que mudou? Os ressentimentos e temores acumulados de muitos egípcios com o governo da Irmandade Muçulmana. Outro elemento pode ter sido a ambição dos generais militares. Uma coisa está clara: o Egito não conseguiu levar os direitos humanos a sério. Após a queda de Mubarak, o Exército governou de fevereiro de 2011 a junho de 2012, supostamente para fazer uma mediação. Não demorou para aflorarem abusos, a maioria como ecos do passado de Mubarak: julgamento militar de civis, repressão à liberdade de expressão, tortura, ataques letais a civis que protestavam contra o regime militar. Mohamed Morsi, o candidato do Partido Justiça e Liberdade, da Irmandade Muçulmana, venceu as eleições presidenciais do Egito e assumiu a presidência em junho de 2012. Os abusos de direitos humanos continuaram: processos judiciais de jornalistas; envio de gangues pró-Irmandade contra manifestantes; e novas leis que permitiam a detenção sem autorização judicial por até 30 dias. Ainda no ano passado, Morsi tratou de tornar seus decretos isentos de revisão legal. Se eles violassem direitos humanos, as vítimas não teriam meios de questionar a lei. Líderes da Irmandade culparam cristãos tanto pela deposição de Morsi como pela violência atual e isso instigou multidões pró-Irmandade a atacar cristãos e queimar suas igrejas em várias cidades pequenas e grandes. O comandante das Forças Armadas do Egito, general Abdel Fattah al-Sisi, depôs Morsi em 3 de julho após manifestações enormes contra o presidente alguns dias antes. O golpe reviveu o autodeclarado papel do Exército de salvador do país. O passado infeliz do Egito parece ser um prólogo inescapável. Em 1952, um Egito imerso no caos instigou o Exército a derrubar um rei impopular e colocar a nação num caminho para algo melhor. Esse "melhor" se traduziu em mais de 60 anos de regime militar com persistentes abusos. É difícil não ver a sublevação atual levando o país para o mesmo caminho. Grupos de defesa dos direitos humanos farão apelos para os governantes do país protegerem a liberdade de expressão, a liberdade de reunião e condenarem o uso de prisões arbitrárias e matanças injustificadas. Mas a quem esses apelos poderão ser dirigidos quando os direitos humanos degeneraram nos últimos dois anos em meio a uma espécie de conveniência situacional - útil quando você e seus aliados são as vítimas de matanças, espancamentos e gás lacrimogêneo, mas ignorados quando seus inimigos políticos suportam o fardo dos abusos. Por um ano e meio, manifestantes na Praça Tahrir pediram o fim do regime militar e sofreram espancamentos, prisões arbitrárias e tortura. Agora muitos elogiam a feroz repressão policial aos seguidores da Irmandade. Curiosamente, num país tão antigo como o Egito, a memória parece muito curta. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

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