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Os interesses da Rússia

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Por Gilles Lapouge
Atualização:

Durante algumas horas Ufá tornou-se uma das capitais do mundo. A cidade, que na verdade é a capital da República do Bascortostão, próxima dos Urais, na Federação Russa, não se contentou em acolher o encontro de cúpula dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Ufá foi também palco da reunião da Organização de Cooperação de Xangai (OCS), integrada por Rússia, China, Casaquistão, Tajiquistão, Usbequistão e Quirguistão, da qual participaram convidados de porte, como o presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani, e o presidente iraniano, Hassan Rohani. O presidente do Irã ostentava um enorme sorriso. Conversava com o presidente russo, Vladimir Putin, no mesmo momento em que a milhares de quilômetros dali, em Viena, na Áustria, a complicada negociação sobre o programa nuclear iraniano com o chamado P5+1 (EUA, Rússia, China, Grã-Bretanha, França e Alemanha) continuava. Sobre o que conversaram Rohani, Putin e o chanceler russo, o astuto Serguei Lavrov? Sobre o programa nuclear iraniano, claro, e mais exatamente sobre as sanções que a ONU impôs ao Irã. "Defendemos a suspensão do embargo de armas ao Irã", disse o russo. Tal declaração se reveste de sentido, pois exatamente na reta final das discussões, em Viena, a questão envolvendo a suspensão do embargo coloca em risco toda a estrutura do acordo. Por que a pressa dos russos em suspender o embargo? Há uma razão comercial. Com efeito, em razão desse embargo, a Rússia, em 2010, teve de renunciar a um contrato de fornecimento de mísseis S300 para o Irã de US$ 800 milhões, valor ao qual se somaram US$ 4 bilhões de indenização reclamados por Teerã diante da justiça internacional. Por isso, Moscou tem feito pressão para o embargo ser suspenso no momento em que um acordo global se delineia em Viena. Todos sabem, aliás, que as duas capitais, Moscou e Teerã, entabularam conversações sobre o assunto e ficou acertado que a Rússia não fornecerá os S300 prometidos, mas mísseis ligeiramente modificados, chamados Antey 2500. No entanto, essa não é a única razão. Da parte de Putin há também um propósito político. Lavrov não fez mistério quanto a isso. "Essa suspensão do embargo sobre as armas justifica-se pelo fato de o Irã estar convencido da necessidade de lutar contra o Estado Islâmico para erradicar o 'mal' na região e no mundo inteiro." Observamos, então, os contornos da ambiciosa ação imaginada por Putin. Moscou sonha formar uma coalizão contra o EI. Dessa coalizão contra o "mal" participaria um grande número de Estados asiáticos, em primeiro lugar o clube dos "stão": Usbequistão, Quirguistão, Tajiquistão, Casaquistão, Afeganistão, Paquistão e Irã. Dela participaria também a China, que teve problemas em sua Província de Xinjiang e também se considera vítima da onda jihadista. Lavrov projetaria um combate comum contra a jihad. "Analisamos a situação na Ásia", declarou o chanceler russo. "O Estado Islâmico foi declarado inimigo público número 1 por todos os países da região. Ora, nesses países não faltam homens com armas capazes de se opor e enfrentar o EI." Esta é a causa das reverberações vindas de Ufá. Em todo caso, notamos que, em Viena, as declarações russas sobre a suspensão do embargo foram muito mal recebidas. John Kerry não escondeu sua irritação e declarou, na quinta-feira, que as conversações sobre a questão nuclear não se concluiriam antes da meia-noite daquele dia. "Não vamos nos precipitar, mas também não vamos ficar eternamente sentados na mesa de negociações", afirmou. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO*Gilles Lapouge é correspondente em Paris

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