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Os novos desafios da política externa americana

Por Henry Kissinger
Atualização:

A vasta agenda diplomática que o governo Barack Obama adotou vai testar sua habilidade de estabelecer uma harmonia entre as prioridades nacionais, como as relações com Irã e Coreia do Norte, e as preocupações globais e multilaterais. O presidente Obama tomou posse em um momento em que as oportunidades são únicas. A crise econômica absorve as energias das principais grandes potências. Sejam quais forem as diferenças entre elas, todas precisam de uma trégua nos confrontos internacionais. Desafios maiores, como energia, meio ambiente e proliferação nuclear, preocupam consideravelmente a todos, e de uma maneira cada vez mais paralela. A possibilidade de se encontrar soluções abrangentes não tem precedentes. Obama deu início a um processo de negociação relativo a uma ampla gama de temas. Cada um tem componentes políticos e estratégicos e lida com assuntos peculiares a si mesmos. Cada qual corre o risco de ver os seus próprios obstáculos obscurecendo os objetivos finais ou de ver as táticas de negociação distorcendo sua substância. Mas os desafios estão também intimamente relacionados uns aos outros. As negociações com a Rússia sobre o controle de armamento, por exemplo, afetarão o papel desempenhado por Moscou nas iniciativas de não-proliferação com o Irã. O diálogo estratégico com a China ajudará a definir o formato das negociações com a Coreia do Norte. Essa interação será também afetada pela percepção dos equilíbrios regionais, especialmente em se tratando dos principais participantes. Para a Rússia, isso se aplica ao antigo espaço soviético na Ásia Central. Para China e EUA, a preocupação é a estrutura política do nordeste da Ásia e dos territórios do Pacífico. ORDEM MUNDIAL Essa realidade precisa de uma tradução em termos de conceito operacional de ordem mundial. A abordagem do governo parece apontar para uma espécie de diplomacia do equilíbrio entre os poderes, semelhante à que existiu durante duas décadas após as Guerras Napoleônicas, dentro da qual grupos de grandes potências trabalhavam juntos para garantir o respeito às normas internacionais. Sob essa perspectiva, a ação comum nasce de convicções partilhadas. O poder emerge de um sentimento comunitário e é exercitado por meio da atribuição de responsabilidades proporcionais aos recursos de cada país. Trata-se de um tipo de ordem mundial em que não se pode identificar uma potência dominante ou uma modalidade de ordem na qual a potência mais preponderante lidera por meio da autocontenção. A crise econômica favorece essa abordagem, apesar dos poucos exemplos de tal conceito. Tipicamente, os membros de qualquer grupo refletem uma distribuição desigual na sua disposição para correr riscos, o que leva a uma disposição desigual para destinar recursos ao bem da ordem internacional. O governo Obama ainda não se viu obrigado a escolher se dependerá do consenso ou do equilíbrio, mas é necessário que ele ajuste sua estrutura de segurança nacional para avaliar o ambiente que está enfrentando e faça as alterações que achar necessárias em sua estratégia. PROLIFERAÇÃO A tarefa do governo, especialmente em relação a Coreia do Norte e Irã, é manter as negociações avançando na direção de uma meta comum. No processo, ele deve evitar dois tipos de pressão pública sobre a diplomacia que são endêmicas às atitudes americanas. Ambas buscam transcender a tradicional reciprocidade diplomática. A primeira reflete uma aversão às negociações com sociedades que não partilham dos nossos valores e da nossa perspectiva geral. Ela rejeita o esforço para alterar o comportamento da outra parte por meio da negociação. Trata a concessão como conciliação e busca a conversão ou a derrubada do adversário. Os críticos da abordagem, que representam o segundo tipo de pressão, enfatizam a psicologia. Eles consideram o início das negociações como uma transformação inerente. Para eles, o simbolismo e os gestos representam substância. A proliferação nuclear é talvez a ilustração mais imediata da relação entre ordem mundial e diplomacia. Se Coreia do Norte e Irã obtiverem sucesso na produção de arsenais nucleares, as chances de uma ordem internacional homogênea serão prejudicadas. Em um mundo onde países detentores de poderio nuclear se multiplicam, não seria razoável esperar que esses arsenais jamais sejam usados ou não caiam nas mãos de grupos ilegais. Uma abordagem nova e menos universal para a ordem mundial seria necessária. Os próximos anos serão a última oportunidade para o estabelecimento de uma contenção possível de ser mantida. Se EUA, China, Japão, Coreia do Sul e Rússia não forem capazes de impor isso a um país sem qualquer impacto no comércio internacional e desprovido de recursos necessários a quem quer que seja, a expressão "comunidade internacional" se tornará vazia. A Coreia do Norte, recentemente, retrocedeu em todas as concessões feitas durante seis anos de negociações. Não podemos permitir que o país ofereça as mesmas concessões repetidas vezes. As negociações entre seis potências só devem ser retomadas se Pyongyang restaurar as circunstâncias com as quais já tinha concordado, paralisando seu reator e readmitindo os inspetores internacionais. Quando as negociações recomeçarem, a permuta final deve envolver o abandono do programa norte-coreano para a fabricação de armas nucleares e a destruição do material atômico em troca da normalização das relações internacionais. COMPLEXIDADE É claro que o Irã é um país muito mais complexo, com um impacto direto muito maior na própria região. O processo diplomático com o Irã está apenas começando. Seu resultado dependerá da possibilidade de se estabelecer na região um equilíbrio geoestratégico dentro do qual todos os países se sintam seguros, incluindo o Irã, sem que um deles se estabeleça enquanto dominante. Para atingir tal objetivo, as negociações bilaterais entre EUA e Irã são indispensáveis. Qualquer negociação com o Irã será influenciada pela continuidade da estabilidade do Iraque. É possível que o surgimento de um vácuo nesse país seja tentador para a aventura iraniana. Na minha experiência, descobri que a melhor abordagem para as negociações é fazer para o adversário uma exposição completa e honesta de nossos objetivos finais. Barganhas táticas testam a resistência do processo quando tratam de temas periféricos, mas elas correm o risco de produzir mal-entendidos em relação aos objetivos finais de cada uma das partes. Mais cedo ou mais tarde, os temas fundamentais precisam ser abordados. Isso se torna necessário ao se lidar com um país que não mantém contato efetivo com os EUA há três décadas. Em contraste, o tema da proliferação é intrinsecamente multilateral. Até o momento, Grã-Bretanha, França, Alemanha, Rússia e EUA atuaram por meio do consenso. O preço pago por esses países é a falta de soluções para os principais problemas, que em alguns casos não foram sequer debatidos. Alguns deles são factuais: determinar quanto falta para o Irã desenvolver uma quantidade suficiente de material enriquecido para uma ogiva e quanto falta para Teerã construir uma ogiva para um míssil; determinar até que ponto as inspeções internacionais seriam capazes de confirmar os supostos propósitos pacíficos de um programa de enriquecimento; e determinar qual seria o alcance no caso de o pior se confirmar. CONSOLIDAÇÃO Enquanto o governo tenta persuadir o Irã a participar de negociações, ele deve buscar energicamente a solução das disputas entre nossos possíveis parceiros de negociações. Essa é a única maneira de manter a diplomacia multilateral. Se não for possível chegar a um acordo, as negociações acabarão, por meio do veto à parte mais indecisa, legitimando um programa iraniano de armas nucleares. Obama lançou os EUA numa importante empreitada diplomática. Ele precisa agora de um plano capaz de concretizar essa visão. *Henry Kissinger é ex-secretário de Estado dos EUA

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