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Os objetivos da operação russa na Síria

Operação pode ser piloto para criação de aliança não ocidental

Por Alastair Crooke
Atualização:

Assim que a Rússia lançou os primeiros estágios de sua campanha militar na Síria, a mídia internacional explodiu em afrontas épicas ao presidente russo Vladimir Putin e depreciações dos motivos estratégicos do país. Seria essa operação de informação apenas um recrudescimento da neuralgia da Guerra Fria ou temos aqui algo mais profundo em andamento?

Também é notório que a resposta do governo americano à iniciativa da Rússia oscilou de maneira incerta. Inicialmente, Washington adotou a abordagem do "nada além do habitual", indicando que a campanha aérea de suas forças e seus aliados prosseguiria inalterada. Mas o governo pareceu em seguida surpreso diante da velocidade da atividade russa.

Presidente do Cazaquistão, Nursultan Nazarbayev, aproxima-se para cumprimentar o presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante uma reunião em Astana Foto: Sergei Guneev/Ria Novosti/AFP

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A segunda abordagem consistiu em tentar recuperar ao menos parte da iniciativa e devolvê-la às mãos dos americanos, concedendo à Rússia o papel militar enquanto buscam definir parâmetros - essencialmente a saída do presidente sírio Bashar Assad - que exigiriam uma grande reforma na liderança síria, processo em que os EUA teriam papel preponderante.

No entanto, durante todas essas manobras e as pelejas retóricas, os EUA também se reposicionaram discretamente no sentido do acordo político que o país enxerga com crescente nitidez. Ao deixar os debates com o chanceler russo, Serguei Lavrov, o secretário de Estado, John Kerry, disse que a Síria precisa se manter "unida e secular". Isso representa uma rasteira na Irmandade Muçulmana e nos jihadistas.

A terceira tática dos EUA parece ser a "contenção". Uma imensa guerra de informação está em andamento para indicar que os russos se comprometeram a atacar somente o Estado Islâmico (EI) e mais ninguém, algo que a Rússia jamais afirmou. Lavrov é explícito: a Rússia está atacando o EI e "outros grupos terroristas". Independentemente disso, a guerra de informação prossegue para pressionar a Rússia e conter sua campanha militar.

Funcionários do governo americano foram citados dizendo que os "moderados" se revelaram tão raros quanto unicórnios em meio à oposição armada síria e haveria apenas "quatro ou cinco" em atividade no momento. Não há "jihadistas moderados". O termo é um oxímoro: há apenas jihadistas mais próximos do EI ou da Al-Qaeda.

O bem informado Tom Friedman, do New York Times, apresenta os fatos de uma perspectiva um pouco diferente: deixemos que Putin e seus aliados tentem derrotar o EI e boa sorte. Quando os russos fracassarem e perceberem que o mundo sunita voltou-se contra eles, precisarão de uma escada para sair dali, coisa que somente Washington poderá oferecer.

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Isso é demasiadamente reducionista. Putin compreende bem a diferença entre o Islã sunita na Síria e Iraque e o wahabismo militante vindo do Golfo. Ele também sabe que muitos sunitas ainda se atêm à ideia da cidadania num Estado secular ou não sectário, e também que Síria e Iraque são herdeiros de civilizações antigas, cada qual com sua própria cultura.

A luta contra as orientações contemporâneas do wahabismo nunca foi uma luta reducionista entre uma minoria xiita e uma maioria sunita. Trata-se antes de uma luta para preservar a tradição do Levante contra uma cultura estrangeira, trazida à região por uma maré de petrodólares.

Por que Putin entenderia esta guerra cultural melhor que as lideranças ocidentais? O cristianismo ortodoxo russo jamais concebeu a oposição binária ocidental entre cristianismo romano e Islã. O que os russos estão fazendo, afinal

Primeiro, estão eliminando uma lista de alvos "terroristas" preparada pelos serviços de espionagem da Síria, Rússia, Irã e Hezbollah. Com os alvos primários destruídos, a ofensiva terrestre terá início, liderada pelos sírios. Por enquanto, os russos parecem interessados primeiramente em eliminar todas as ameaças hostis localizadas perto de suas forças em Latakia Não há nada de político nesses ataques - no sentido de fortalecer um grupo de insurgentes em detrimento de algum outro. Então, por que essa enxurrada de comentários sarcásticos e desinformação?

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Nas décadas mais recentes, a Otan tomou na prática todas as decisões envolvendo guerra e paz. Não havia oposição nem rival. Mas, embora seus poderes destrutivos fossem evidentes, os benefícios estratégicos não foram, especialmente no Oriente Médio.

Toda essa estridência, provavelmente, decorre também da sensação de que essa iniciativa russa poderia marcar o nascimento de algo mais sério - a Organização de Cooperação de Xangai (SCO, na sigla em inglês) como aspirante a aliança militar. A aliança entre Rússia, Síria, Irã, Iraque e Hezbollah pode muito bem se revelar um piloto para a operação bem sucedida de coalizões não ocidentais.

Além disso, seu objetivo é precisamente evitar os projetos de mudança de governo ao estilo da Otan - uma das principais preocupações da SCO. Essa perspectiva certamente preocuparia o establishment de segurança do Ocidente e poderia alterar muitos dos cálculos existentes da Otan.

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ALASTAIR CROOKE É COLUNISTA

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