MOULTRIE, EUA - Pouco mais de três meses atrás, um menino de 5 anos e seu pai, ambos guatemaltecos, foram separados pelas autoridades migratórias dos Estados Unidos quando tentavam entrar no país pela fronteira com o México.
O homem, que pediu para não ter a identidade revelada com medo de represálias, foi enviado para um centro de detenção de imigrantes. Seu filho, Adonias, foi levado para o abrigo de crianças Casa Guadalupe, em Chicago.
Os dois só voltaram a se encontrar no fim de julho, mais de 10 semanas depois da separação, graças à ordem de um juiz da Califórnia para que o governo de Donald Trump reunisse as crianças e pais separados na fronteira.
Agora, ele suspeita que seu filho tenha sido drogado com substâncias que o deixavam sonolento quando se comportava mal no abrigo. Autoridades estaduais e federais abriram investigações sobre o caso.
A organização que administra o abrigo também conduz uma apuração própria sobre as suspeitas, apesar de negar veementemente qualquer irregularidade. O histórico de saúde do garoto não registra o uso de qualquer substância injetável, com exceção de vacinas.
Uma avaliação psicológica independente de Adonias constatou, no entanto, que o jovem "mostra sinais de trauma, desencadeado particularmente por uma seringa (de brinquedo)".
O caso de Adonias é o mais recente entre as suspeitas em relação ao tratamento de milhares de crianças imigrantes nos EUA. Nas últimas semanas, houve também acusações de abuso sexual de uma criança de 6 anos e de um adolescente de 14 anos em dois abrigos no Arizona.
Além disso, um juiz do Texas ordenou que um abrigo para crianças problemáticas parasse de lhes dar medicação psicotrópica sem ordem judicial ou consentimento dos pais.
Questionado sobre o que aconteceu no período na Casa Guadalupe, Adonias ficou com os olhos marejados e começou a agir com violência. "Ainda estou triste. Quero ficar sozinho", afirmou.
De acordo com o histórico fornecido pelo abrigo, o menino manifestou em mais de uma ocasião não saber como entrar em contato com o pai e não sentir-se "seguro sem os pais", além de indicar a vontade de se reunir com seu responsável.
"O menor relatou que se sente sozinho e triste (...) em razão dos ajustes e sente falta do pai e da mãe", diz um dos formulários. Também há vários relatos de incidentes de conflitos com outros garotos, seguidos por gritos em seu quarto. Mas nenhum dos arquivos explica o que dois garotos brasileiros um pouco mais velhos contaram ao Washington Post e ao New York Times sobre o que presenciaram acontecer com Adonias na Casa Guadalupe.
Diego Magalhães, de 10 anos, relatou a investigadores estaduais que, quase todos os dias, alguém conhecido como 'o doutor' aparecia depois que Adonias começava a se comportar mal ou não se acalmava e injetava algo que o acalmava imediatamente e o deixava sonolento.
Em relação à própria estadia no abrigo, Diego afirmou ao Washington Post que quebrou o braço durante os 42 dias em que ficou separado da mãe, mas não passou pela avaliação de um médico. Um raio x feito após a sua liberação não mostrou uma fratura, mas sim uma inflamação no local da lesão, de acordo com o advogado de menino, Jesse Bless.
"Temos várias crianças que testemunharam (as injeções em Adonias)", afirmou a advogada da criança guatemalteca, Amy Maldonado.
Quando o menino e o pai foram reunidos, em 24 de julho, voluntários da Igreja Católica ofereceram uma vaga em um abrigo para eles passarem a noite. "Papi, não quero ir", disse Adonias ao ouvir a palavra "abrigo". "Eles dão muitas injeções lá (no abrigo)", relatou ao pai.
"Nos primeiros dias ele se irritava facilmente e começava a tremer", lembra o guatemalteco. Ao poucos, o menino melhorou, mas suas brincadeiras hoje são mais sombrias do que antes da experiência traumática. E ele desenvolveu uma fascinação por facas e machados.
"Ele ficou dessa forma porque o trancaram (no abrigo)", diz o homem. "Eu preferia ter sido enviado de volta para meu país do que essa experiência que o deixou assim."
Enquanto o pai estava na varanda perto de uma bandeira americana, seu filho estava sentado em um carro de brinquedo motorizado, acelerando e buzinando.
"Papi, vou ficar na frente no carro", disse Adonias, apontando para o brinquedo. "Yo me quiero morir" (Eu quero morrer, em tradução livre), afirmou o menino em voz baixa, em espanhol. / THE WASHINGTON POST