Argentina perde 1,3 milhão para a pobreza em três anos

Número de pobres caiu de 2003 a 2011, quando economia argentina começou a desaquecer e governo deixou de divulgar alguns indicadores socioeconômicos

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Por Rodrigo Cavalheiro
Atualização:
Família Kirchner teria arrecadado pelo menos US$ 6,2 milhões entre 2008 e 2013 Foto: Alejandro Pagni/AFP

BUENOS AIRES - O kirchnerismo não conta o número de pobres “para não estigmatizá-los” desde que o índice de cerca de 5%, divulgado pelo governo no último mandado de Cristina Kirchner começou a destoar da realidade, e do retrato feito dela por institutos independentes. Segundo a Universidade Católica Argentina (UCA), em três anos 1,3 milhão de integrantes da classe média tornaram-se pobres. Este contingente representam a diferença entre os 24,7% identificados em 2011% e os 28,7% de 2014, dado divulgado pela UCA em abril e publicado pelo Estado em março. O número de pobres caiu no país progressivamente desde 2003, quando o kirchnerismo assumiu o poder com Néstor, que governou até 2007 e morreu em 2010. Neste período de crescimento econômico, as estatísticas do Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec) eram pontuais. O cenário mudou a partir de 2011, no segundo mandato de Cristina, ano em que não só a UCA como outros institutos apontam um desaquecimento econômico e o aumento do número de pobres.  Foi justamente naquele ano que Adelina Montero, moradora da Villa 21, de Barracas, a maior favela de Buenos Aires, com 45 mil habitantes, passou de um grupo a outro. Desanimado com a baixa perspectiva de emprego, o pai de seu filho, hoje com 4 anos, decidiu voltar para sua terra natal, o Paraguai. Com o pai de Matias em casa, a renda da família superava com folga os 5.717 mil pesos que a UCA, com base na alimentação básica de uma família, considera o mínimo para não estar na pobreza. Hoje, Adelina ganha 800 pesos em um trabalho sem carteira assinada como babá e outros 800 no programa kirchnerista que paga uma bolsa por filho a desempregados - se tivesse um emprego formal, ela não poderia receber. “Hoje não existe mais isso de classe média. Ou se é rico ou se é pobre”, afirmou a mulher de 25 anos ontem, enquanto caminhava apressada para buscar às 16 horas Matías na escola. Durante 15 minutos, ela atravessou as vielas da favela, pulou esgoto a céu aberto e andou pela margem do Riachuelo, o mal-cheiroso arroio que separa Buenos Aires de Avellaneda, já na Região Metropolitana. No caminho, admitiu que nos últimos anos a inflação - de 15% para o governo e 25% para consultoras - fez que com que ambos deixassem de gastar em supérfluos. Matías deixou de ganhar brinquedos, mas segundo ela não reclamou. E defendou o governo nacional, indicando que votará por seu candidato, Daniel Scioli, na eleição de domingo. “No Brasil, por exemplo, acho que ainda tem muita fome. Aqui não sobra, mas não nos falta nada”, assegurou. Ela gasta 500 de seus 1600 pesos no aluguel da peça em que dorme numa cama de casal com Matías. Há geladeira e uma cozinha improvisada no mesmo ambiente. O banheiro fica fora. “Consegui alugar por esse preço porque as donas são conhecidas. Um barraco pode chegar a 1.500 pesos”, disse Adelina. A moradia para jovens é, segundo, Fabian Repetto, diretor do programa de proteção social do Centro de Implementação de Políticas Públicas para a Equidade e o Crescimento, um dos maiores déficits do atual governo e desafios do futuro. Ele não vê grandes ideias entre os três principais candidatos para modificar o quadro. “A exceção é que todos se comprometeram a ampliar ação social do Estado na primeira infância, algo que na Argentina nunca foi comum”, afirma.  O governista Scioli planeja a construção de 250 mil moradias por ano se for eleito. Em segundo lugar nas pesquisas, o conservador Mauricio Macri prometeu lançar o programa Pobreza Zero, por meio de um sistema que levará todos a terminarem o secundário. Ele prometeu ampliar o plano social recebido por Adelina a adolescentes. O ex-kirchnerista acusa o governo de ter produzido, com os planos sociais que chegam a 28,7% dos lares argentinos, uma fábrica de pobreza. Sua tática para criar empregos formais e diminuir em 30% a carga de impostos.  “Ao contrário do Brasil, há duas décadas a classe média argentina fazia uso de escolas, hospitais e moradias públicas. Isso mudou nos últimos anos”, diz Repetto.

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