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País vive dilema entre realidade religiosa e Constituição secular

Leis turcas proíbem medidas oficiais que violem o caráter laico do Estado, estabelecido por fundador

Por Gabriella Dorlhiac
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Apesar de 99% dos 72 milhões de habitantes serem muçulmanos, a Turquia é regida pelos ferrenhos princípios laicos impostos pelo pai da república turca, Mustafá Kemal Ataturk. A elite secular, representada pelo Exército e pelo Judiciário, sente-se ameaçada pelo fortalecimento do governo islâmico moderado do Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP) - do presidente Abdulla Gul e do primeiro-ministro Tayyip Erdogan. O temor dos secularistas é o de que o AKP tente no futuro implementar a Sharia, o código de lei islâmica). Hoje, no entanto, o partido é a única opção islâmica moderada na Turquia. Contrariando a imagem de radicalismo islâmico, o governo turco é o único defensor no país da aproximação com a União Européia. "A Turquia ainda discute como deve ser a democracia turca. O secularismo imposto por Ataturk (que pôs fim a séculos de domínio de Império Otomano) baniu a religião da vida pública, criando uma situação artificial", afirmou, por telefone, ao Estado o professor da Universidade Bahcesehir, de Istambul, Cengiz Aktar Segundo ele, Ataturk seguia o modelo laico francês, que não tolera nenhuma manifestação religiosa. "O secularismo britânico protege a religião do Estado, mas no caso da Turquia é o Estado que se protege da religião", explicou Aktar, crítico da Constituição secular de 1982. "A Carta é, na verdade, uma camisa-de-força." O AKP chegou ao poder em 2003 com uma agenda de reformas liberais. Na economia, a política de privatizações levou a um crescimento de 7% ao ano e ao aumento dos investimentos estrangeiros. Depois de anos de repressão contra os curdos, o atual governo liberou, com ressalvas, o estudo da língua curda. No começo do ano, um procurador turco entrou com um processo na Corte Constitucional pedindo que o AKP seja banido da política por infringir a Constituição secular. "Essa é definitivamente uma tentativa desesperada da velha guarda secular", afirmou o pesquisador da Fundação de Estudos Econômicos e Sociais Turcos, Volkan Aytar. Paradoxalmente, para os analistas, foi a timidez do AKP em suas reformas que levou à crise turca. "O partido fortaleceu-se muito nas últimas eleições, mas não aproveitou o momento para levar adiante reformas mais amplas", disse Aytar. Enquanto a Turquia não decide que rumo tomará, a crise política já começa a se refletir na economia. O crescimento econômico deve cair para 4,5% este ano. A inflação deve chegar aos 7%. O indicador mais preocupante, no entanto, é o de investimento estrangeiro que, de acordo com projeções, pode cair 16% neste ano.

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