Palavras vazias do Ocidente sobre a Costa do Marfim

Como se verificou antes, as crises na África costumam expor a limitação da força de vontade internacional

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Por Simon Tisdall e The Guardian
Atualização:

Ao abordar a crise que se agrava na Costa do Marfim, líderes da União Europeia foram firmes. O legítimo vitorioso nas eleições presidenciais de novembro tem de assumir o cargo e seu predecessor derrotado deve se retirar sem mais rodeios, eles declararam em seu recente encontro de cúpula em Bruxelas. Claro que Laurent Gbagbo, o homem forte da Costa do Marfim, recusa-se a deixar o poder e não tomou conhecimento das demandas . Protestos de parte do presidente francês, Nicolas Sarkozy, que qualificou de "escandalosa" a crise na ex-colônia francesa, dos Estados Unidos, da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental e da União Africana, também foram ignorados.O mais perigoso é que as Nações Unidas, que mantêm uma missão de paz de 10 mil soldados na Costa do Marfim, receberam ordens de sair imediatamente do país. O secretário-geral Ban Ki-moon insiste que a missão de paz permanecerá ali. Mas até onde vai sua certeza de que os soldados conseguirão se manter na Costa do Marfim?E neste caso, que apoio prático da comunidade internacional (e do impotente presidente eleito da Costa do Marfim, Alassane Ouattara, e seus partidários) Ban poderá contar de fato se as coisas realmente piorarem? Não muito, é a resposta desagradável. Como se verificou quando de insurreições no passado, as crises na África Ocidental costumam expor as limitações de jurisdição, governança e da força de vontade internacionais e, possivelmente, o princípio do dois pesos e duas medidas aplicado a esta parte do mundo, comparado, por exemplo, ao "mais importante estrategicamente" Oriente Médio.A intervenção britânica na guerra civil em Serra Leoa, em 2000, para socorrer tropas da ONU nigerianas cercadas, foi inusitada. Mais típico ainda foi o que ocorreu quando a guerra civil na Libéria chegou a seu ápice, com os rebeldes ameaçando tomar a capital , Monróvia, em 2003. Uma poderosa força-tarefa naval dos EUA ficou estacionada na costa, com ordens para não se imiscuir, política ou militarmente.Um relatório recente elaborado pelo representante especial da ONU para a África Ocidental, Said Djinnit, sublinha os desafios à governança e à segurança em países que são completamente ignorados pelo Ocidente. Ele citou o caso de Níger, onde um conselho militar no poder dissolveu o governo e deteve o presidente no início do ano, e ainda a Mauritânia, Togo e Guiné Equatorial, países que requerem um maior engajamento internacional se quisermos que a governança democrática sobreviva.A resistência aberta de Gbagbo representa desafios simbólicos e de ordem prática. A União Africana ou outros intervirão pela força se ele insistir em se manter no poder? Até agora, apenas o Quênia defendeu uma ação militar. Mas seu premiê, Raila Odinga, admite que a UA "não tem força", uma verdade evidente, por exemplo, na Somália.A julgar pelo passado, EUA e a Otan vão se manter afastados. A União Europeia, apesar das palavras duras e de sua força de reação rápida, aparentemente tem pouca disposição para se aventurar na região. Assim, teoricamente, resta apenas a potência colonial, a França.Mas a política francesa mudou desde a era intervencionista, nas décadas de 80 e 90. Como a Grã-Bretanha, hoje a ênfase dos franceses é nos negócios e no comércio. O poder armado de Paris encolheu. Até o momento, Sarkozy evitou falar de ação militar, ameaçando apenas com sanções. Isso pode mudar, mas somente se, como ocorreu durante a guerra civil de 2001-2003, a comunidade francesa de 15 mil pessoas que tem negócios na Costa do Martim, e os substanciais investimentos de 600 empresas francesas instaladas no país, forem ameaçados. Manter 900 soldados no país e não fazer nada, seria uma vergonha. Mas se envolver numa guerra civil sem vencedores é uma perspectiva ainda menos edificante.O resultado, no momento, é que a missão das Nações Unidas enfrenta uma crise na Costa do Marfim de grandes proporções e potencialmente perigosa e não se sabe quem vai ajudar. Pior, essa crise era evitável. E mesmo que o desastre seja evitado desta vez, cedo ou tarde uma rebelião similar deverá ocorrer.É necessário criar um mecanismo internacional permanente e consensual, liderado por africanos, para tratar e reverter essas usurpações caóticas, ao estilo da Costa do Marfim, que há muito tempo afligem os povos da África Ocidental. Sem o poder para corroborar as belas palavras com uma ação firme, não há muito sentido em se falar interminavelmente de boa governança, democracia e Estado de direito. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO É COLUNISTA

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