Palestinos ocupam Jerusalém em funeral

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Por Agencia Estado
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Milhares de palestinos entraram triunfalmente, nesta sexta-feira, na disputada Jerusalém Oriental, para acompanhar o corpo de Faisal Husseini, realizando - pelo menos temporariamente - o sonho da autoridade palestina no dia de seu enterro. A polícia fronteiriça israelense permaneceu à margem, enquanto moradores da Cisjordânia lotaram a cidade, em desafio ao forte bloqueio de Israel, para acompanhar o caixão de Husseini, a maior autoridade palestina em Jerusalém, que morreu nesta quinta-feira de ataque cardíaco, no Kuwait. "Libertamos Jerusalém!" gritou um dos manifestantes, Nafiz Abdou, 23 anos. "Não tem polícia (israelense). Não tem soldado. As ruas estão repletas de palestinos. Eu sinto como se eles tivessem se rendido e entregue a cidade para nós!" Husseini, um defensor da coexistência com Israel, dedicou sua vida à consolidação do reclamo palestino por Jerusalém Oriental como sua capital. Israel capturou o setor majoritariamente árabe na Guerra dos Seis Dias de 1967 e garante que nunca abrirá mão dele. Husseini era amado pelos palestinos e visto por muitos israelenses como uma força moderadora. Um constante convidado em programas de rádio e tevê israelenses, ele explicava a visão palestina num hebraico que aprendeu em celas israelenses. Nesta sexta-feira, o Conselho de Segurança da ONU respeitou um minuto de silêncio em sua homenagem. Cerca de 20.000 pessoas, muitos deles em júbilo e acenando com bandeiras palestinas ou pretas ou carregando retratos de Husseini, entraram na murada Cidade Velha na Jerusalém Oriental. Muitos pacifistas israelenses uniram-se à multidão, incluindo o vereador de Jerusalém Moshe Amirav, próximo a Husseini desde a década de 80. Amirav foi um dos que discursaram na cerimônia. "Tive a grande honra de ter conhecido um homem que era um cavalheiro e um lutador por Jerusalém", disse posteriormente Amirav sobre Husseini. "O que nos unia era o amor por Jerusalém". Mais tarde, jovens palestinos escalaram um muro, cercando o apartamento do primeiro-ministro Ariel Sharon, destruíram uma câmera e rasgaram parte de uma grande bandeira israelense pendurada na arcada. Sharon comprou o apartamento no final dos anos 80, a fim de demonstrar o controle israelense sobre a cidade, mas raramente vai ao local. Palestinos também destruíram câmeras de segurança no Portão de Damasco da Cidade Velha e saquearam e incendiaram a loja de um judeu, segundo a polícia. Ninguém ficou ferido. Em outra loja, um turista judeu jogou spray de gás lacrimogêneo em outros que tentavam saqueá-la. A polícia noticiou alguns poucos incidentes de apedrejamento e afirmou que policiais evitaram que dezenas de jovens palestinos invadissem uma delegacia. Aos gritos de "Longa vida Palestina", o corpo de Husseini foi finalmente enterrado no local mais sagrado do islamismo em Jerusalém, ao lado de seu pai, um lendário comandante militar morto em 1948 numa batalha por Jerusalém. O local, a Esplanada das Mesquitas, é conhecido pelos muçulmanos como Nobre Santuário, ou Monte do Templo para os judeus. Ele é o ponto mais sensível no conflito israelense-palestino, e uma disputa sobre quem irá eventualmente controlá-lo ajudou a descarrilar o processo de paz. "O que ocorreu não foi um funeral", disse Adnan Husseini, um parente de Faisal e diretor da Wakf, ou Depositário Islâmico, que administra o local. "Foi uma campanha em que pessoas de toda a Cisjordânia e de Jerusalém vieram para mostrar que Jerusalém é uma cidade árabe". "Jerusalém foi libertada nesta hoje (sexta-feira)", clamou ele. "Eu posso dizer que o que ocorreu hoje em Jerusalém não tem precedentes". Na Jerusalém Oriental, a polícia estava praticamente ausente, enquanto jovens militantes da Organização para a Libertação da Palestina assumiram o controle da multidão e orientavam o tráfego. Alguns policiais israelenses observavam de cima de tetos. Um assessor de Sharon afirmou que as forças israelenses permaneceram em segundo plano para evitar atritos. "Ninguém conquistou Jerusalém", disse o assessor Raanan Gissin. "As forças de segurança estão lá. Elas só não estão visíveis, e enquanto a processão não for violenta, elas não serão necessárias". O corpo de Husseini, acompanhado pela família e entourage encabeçada pelo líder palestino Yasser Arafat, chegaram de helicóptero na manhã desta sexta à cidade de Ramallah, Cisjordânia. Quando o caixão, envolto numa bandeira palestina, era retirado do helicóptero por oito oficiais palestinos, Arafat fez uma saudação e disse: "Aos céus, você, o amado dos mártires". Arafat preferiu permanecer em Ramallah, ao invés de acompanhar o cortejo até Jerusalém. O líder palestino tem dito que não pisará em nenhuma área palestina sob controle israelense. Quando a procissão de Ramallah alcançou o posto de checagem israelense nos arredores de Jerusalém, policiais fronteiriços judeus abriram caminho para os palestinos - apesar de um rígido bloqueio imposto quando os confrontos israelense-palestinos tiveram início há oito meses, que impede que moradores da Cisjordânia entrem na cidade. Alguns palestinos agitavam desafiadoramente seus cartões de identidade da Cisjordânia para os policiais israelenses. Jovens em cima de furgões acenavam bandeiras palestinas e gritavam "Allahu Akbar!" ou Deus é grande! Husseini era descendente de um influente clã palestino com raízes centenárias em Jerusalém. Em 1991, ele transformou a Casa do Oriente, um antigo hotel de propriedade de sua família, na sede da OLP em Jerusalém. No mesmo ano, ele liderou a delegação palestina nas conversações de paz de Madri. Husseini deixa sua mulher, Najat, de 53 anos, uma filha, Fadwa, 23 anos, e um filho, Abdel Kader, 25 anos.

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