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Pandemia deve agravar deterioração da paz global nos próximos anos, aponta índice

Pelo segundo ano seguido, Brasil cai dez posições no Índice Global da Paz e agora está na de número 126 no ranking de 163 países 

Por Renata Tranches
Atualização:

A pandemia de coronavírus que já matou mais de 400 mil pelo mundo deve agravar a deterioração da paz global nos próximos anos, com seu potencial de desfazer anos de desenvolvimento socioeconômico, aprofundar crises humanitárias, agitações e conflitos. A avaliação é do Instituto para a Economia e Paz (IEP, na sigla em inglês), que lança nesta quarta-feira, 10, o Índice Global da Paz (GPI, na sigla em inglês). O estudo este ano traz um anexo específico sobre a pandemia e seu potencial de impactar a economia e a paz global. 

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A América do Sul foi a região com maior queda na paz social, segundo o GPI, com deteriorações nos três domínios: conflito contínuo, segurança e militarização. Esses critérios são os principais utilizados para a elaboração do ranking e cada um deles tem uma pontuação específica. O Brasil, pelo segundo ano seguido, caiu dez posições e agora está na de número 126 no ranking de 163 países. 

"A situação no Brasil continua precária. O impacto da covid-19 irá provavelmente exacerbar as tensões vistas nos últimos anos e impactar ainda mais a estabilidade política", avalia o presidente e fundador do IEP, Steve Killelea, em entrevista ao Estadão

Monumento TheWall for Peace (O Muro para a Paz) danificado em Paris Foto: Martin Bureau/AFP

A Venezuela foi o país menos pacífico na região em 2019 e aparece entre os 15 com piores índices em todo o mundo, na posição de número 149. O país passou por mais um ano de distúrbios políticos e civis. A violência e a escassez de recursos aumentaram significativamente o número de refugiados e pessoas deslocadas internamente - segundo o índice, estima-se que mais de 10% da população venezuelana seja de refugiados ou deslocados internamente.

Como mostrou o estudo, a violência continua a ter um impacto significativo na performance econômica das nações. Nos dez países mais afetados por ela, a média do impacto econômico foi equivalente a 41% do PIB. Nos países menos afetados, esse gasto correspondeu a apenas 4% do PIB. Segundo o índice, Síria, Sudão do Sul, Afeganistão e Venezuela sofreram os maiores impactos econômicos causados pela violência em 2019: 60%, 57%, 51% e 48% do PIB, respectivamente. 

Esse cenário tende a se agravar nos próximos anos com a pandemia de coronavírus. "As consequências econômicas da pandemia (para o mundo) estão entre as mais severas já vistas. Há a possibilidade de que a manutenção da paz seja vista como uma prioridade mais baixa, à medida que os países se concentrarão agora em suas próprias políticas econômicas internas", disse Killelea. 

Segundo o relatório produzido pelo IEP, a pandemia de coronavírus mostrou quão frágil, interconectado e complexo é o sistema socioeconômico global. "Em questão de semanas, sistemas globais de viagens e comércio entraram em colapso, as normas sociais mudaram radicalmente e os direitos e liberdades tomados como certos - como a liberdade de movimento e associação - foram revogados, com valores sociais reorientados", destaca o texto, lembrando que a pandemia expôs a dificuldade do mundo em oferecer uma abordagem eficaz para lidar com essas crises. 

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Pôr do sol em Caracas, na Venezuela. Foto:Miguel Gutierrez/EFE 

O estudo do IEP avalia que a incerteza, juntamente com o impacto do vírus e as subsequentes perdas econômicas deverão destacar outros fatores socioeconômicos que estão surgindo, como a crescente desigualdade de riqueza, a deterioração das condições de trabalho nos países desenvolvidos e a alienação do sistema político. 

"À medida que essa dinâmica se desenrolar, o mundo será um lugar muito diferente no futuro. É provável que outras mudanças irreversíveis ocorram na maneira como as pessoas socializam, trabalham e conduzem negócios. É provável que as economias sejam reestruturadas para oferecer maior foco em setores estratégicos essenciais, soberania econômica e segurança alimentar", aponta o relatório. 

O levantamento destaca que, com os preços do petróleo caindo acentuadamente, os valores sociais também foram afetados. Em contraste, alimento, moradia, assistência médica e equipamentos de saneamento passaram a ser muito procurados. Várias cidades registraram longas filas para se adquirir itens básicos de alimentação, e as pessoas passaram a estocar produtos. 

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"Embora o comércio internacional tenha sido um dos principais impulsionadores da prosperidade nas últimas décadas, ele tornou a maioria dos países vulneráveis ​​a interrupções nas linhas logísticas globais. Consequentemente, autoridades e empresas terão de considerar a soberania econômica na reestruturação pós-pandêmica", alerta o relatório, destacando que a complexidade das cadeias de suprimentos internacionais terá de ser reavaliada por empresas e governos. "Apenas para dar um exemplo, a fabricação de um iPhone envolve 43 países." 

No entanto, as futuras respostas internacionais, segundo Killelea, devem passar necessariamente pela via multilateral, a despeito das críticas que vem sendo feitas aos organismos internacionais. "É preciso considerar que o impacto total da covid-19 ainda vai ser conhecido", alerta o presidente do instituto, acrescentando que o objetivo da manutenção da paz não pode ser perdido. "Se o mundo quiser se recuperar da pandemia o mais rápido possível e enfrentar a ameaça das mudanças climáticas e outros desafios globais, alcançar a paz é um pré-requisito."

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