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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Pandemia se arrasta

Boas notícias sobre oferta de vacinas não são o suficiente para mudar a realidade

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Atualização:

Existem boas notícias sobre a oferta de vacinas, mas não o suficiente para mudar uma realidade que se torna cada dia mais evidente: os laboratórios não cumprirão os prazos contratados, e a pandemia se arrastará por mais tempo do que se imaginava há poucas semanas.

O primeiro problema que surgiu foi o da oferta de insumos, como os ingredientes farmacêuticos ativos e seringas. Esse gargalo pode ser resolvido com negociações entre fornecedores e a intervenção de governos para incentivar outras empresas a converter suas plantas para atender a essas demandas. 

Memorial homenageia vítimas da covid em Berlim, Alemanha Foto: Lena Mucha/NYT

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A francesa Sanofi, que não concluiu ainda o desenvolvimento da própria vacina, ofereceu-se para ajudar a concorrente americana Pfizer no envasamento e embalagem de seu imunizante na Alemanha. Mesmo assim, por causa dos gargalos na parte biológica da produção, essa ajuda só surtirá efeito na produção em julho. 

Os laboratórios nunca fabricaram vacinas nessa velocidade e escala. As projeções de entrega foram calculadas com base no ritmo convencional de desenvolvimento e fabricação, e na premissa de que um aumento de capacidade de produção teria resultado proporcional. Mas a produção de vacinas não é uma linha de montagem. 

Vacinas com a tecnologia mensageiro RNA, usada pela BioNtech para a Pfizer e pela Moderna, nunca tinham sido feitas em escala industrial. Só pilotos de alguns litros. Não havia um histórico.

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A AstraZeneca, a Sputnik V e a Johnson & Johnson, que deve ser aprovada em breve, usam cultura de células que crescem em biorreatores. Quando as células envelhecem ou sofrem mutações, é preciso trocá-las. Essa técnica foi usada na vacina contra o ebola, que não teve a mesma escala de produção. Não havia um modelo para prever com precisão o impacto desses transtornos.

As chinesas Sinovac e Sinopharm usam o coronavírus morto. Esse processo é mais antigo. Mas requer medidas de segurança especiais para evitar a contaminação do ambiente pelo vírus, antes de ser morto.

Com o cobertor curto, as companhias priorizam clientes, causando efeito dominó de desabastecimento. A Moderna, que recebeu US$ 483 milhões de pagamento adiantado do governo americano, comunicou na sexta-feira à França e à Itália que entregará respectivamente 25% e 20% a menos de doses do que o encomendado para fevereiro.

A AstraZeneca assinou contrato com o governo britânico três meses antes do que com a União Europeia, além de sua vacina ter sido desenvolvida na Universidade de Oxford, na Inglaterra. Dos 100 milhões de doses encomendados pelo Reino Unido, 7 milhões já foram entregues, e o ritmo é de 2 milhões por semana. 

Já a União Europeia, que reservou 300 milhões de doses, com opção para mais 100 milhões, e cuja agência reguladora aprovou a vacina na sexta-feira, deve receber apenas 17 milhões em fevereiro. A Comissão Europeia ameaça bloquear as exportações, o que afetaria os EUA, que investiram US$ 1,2 bilhão nessa vacina. 

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Em contrapartida, o regime chinês identifica na exportação de vacinas uma oportunidade para recuperar o prejuízo causado à sua imagem pelo surgimento do coronavírus na China e para se projetar globalmente. Tanto que o país optou por exportar parte dos 2 bilhões de doses que prevê produzir este ano, em vez de atingir a imunidade de rebanho aplicando duas doses em 70% do 1,4 bilhão de chineses.

Diante de tudo isso, todos os países precisam rever seus cenários, empurrando a volta ao “novo normal” por no mínimo um semestre. Levantamento do instituto australiano Lowy, com o número proporcional de casos, mortes e testes em 98 países, coloca o Brasil em último lugar no ranking, como o que deu a pior resposta à pandemia. Não é hora de celebrar que “o brasileiro não tem medo do perigo”, como fez o presidente Jair Bolsonaro.

* É COLUNISTA DO ESTADÃO E ANALISTA DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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