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Para Comissão de Inquérito da ONU, ofensivas russas na Síria são possíveis crimes de guerra

Esta é a primeira vez que uma investigação liderada pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro denuncia especificamente o governo de Vladimir Putin

Por Jamil Chade , correspondente e Genebra
Atualização:

GENEBRA - A Comissão de Inquérito da ONU sobre a Síria acusou os bombardeios promovidos pelas forças aéreas da Rússia de terem sido responsáveis pelo deslocamento de milhares de pessoas dentro do país. A investigação, conduzida pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, ainda aponta as ofensivas russas como possíveis crimes de guerra.

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Inquérito da ONU aponta que as operações da coalizão internacional contra o Estado Islâmico tem desencadeado um amplo sofrimento da população local Foto: AFP PHOTO / AMER ALMOHIBANY

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Um dos principais incidentes foi registrado no dia 13 de novembro. “Forças aéreas russas conduziram ataques aéreos em áreas densamente habitadas em Atareb (Aleppo), matando 84 pessoas e ferindo outras 150”, diz a investigação. “Ao usar mísseis não guiados, o ataque atingiu um mercado, uma delegacia de polícia, lojas e restaurantes, e pode ser um crime de guerra”, destacou Pinheiro. Segundo ele, essa conclusão foi resultado de uma análise feita a partir de entrevistas e imagens.

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A apuração indica que os jatos russos deixaram a base de Humaymim às 13h37 (locais) daquele dia, e chegariam ao local dos ataques às 14h07. “As pessoas entrevistadas, incluindo donos de lojas e moradores locais, disseram que não existiam grupos armados em Atarib”, segundo o inquérito. Outros ataques contra hospitais e população civil também foram registrados por parte dos russos.

Questionado pelo Estado se o Kremlin teria respondido às acusações, Pinheiro explicou que o diálogo entre sua comissão e o governo é "sigiloso". “Esta é a primeira vez que pudemos chegar a uma conclusão com precisão sobre um possível crime de guerra”, disse Hanny Megally, um dos investigadores da Comissão de Inquérito. Aliado do governo de Bashar Assad, o Kremlin tem sido fundamental para o avanço do regime de Damasco.

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A coalizão internacional também é acusada de não ter tomado medidas de cautela antes de lançar algumas ofensivas. Em uma delas, ataques americanos a uma escola resultaram em mais de 150 mortos em 2017. O argumento inicial era de que existiam soldados do grupo jihadista Estado Islâmico (EI) no local, o que acabou não sendo verdade.

Megally disse que se o ataque for considerado deliberado, se configurará em um crime de guerra. “Mas, como não houve a intenção, a questão é saber onde está a falha nas informações. Estamos pressionando para que haja uma investigação”, insistiu. “Não havia a intenção de um ataque contra civis. Mas havia tempo e recursos para tomar medidas de cautela”, insistiu Pinheiro, que descarta, neste caso, um crime de guerra.

Impacto

De uma maneira geral, entretanto, o inquérito aponta que as operações da coalizão internacional contra o EI têm desencadeado um amplo sofrimento da população local.

“Ainda que as ofensivas para derrotar o Estado Islâmico em Raqqa e Deir es-Zor pareçam ter tido sucesso em deslocar os grupos terroristas, as batalhas vêm com um elevado custo para os civis”, disse Pinheiro.

“Antes mesmo da campanha em Raqqa, a coalizão fracassou em tomar medidas para proteger civis, em violação às leis internacionais, quando lançou ataques em Mansoura, que mataram pelo menos 150 pessoas, incluindo mulheres e crianças”, apontou ele. “Presos em uma cidade sob cerco, residentes de Raqqa foram depois usados pelo Estado Islâmico como escudos humanos.”

Pinheiro afirmou que “operações para derrotar o EI criaram uma das maiores ondas de deslocamentos de populações desde o início do conflito”. “Milhares de homens, mulheres e crianças fugiram de Raqqa e Deir es-Zor, apenas para ser realocados em acampamentos no norte da Síria."

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Mais de 80 mil pessoas têm sido mantidas em centros de confinamento para evitar que tenham conexões com o EI. “Um internamento às cegas da população de Raqqa e Deir es-Zor não pode se justificar”, disse Karen AbuZayd, investigadora da ONU.

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