Para Farc, Uribe deve optar entre negociação ou guerra total

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Por Agencia Estado
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O comandante Rodolfo González, membro das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), concedeu entrevista por email à Agência Estado, hoje, véspera da posse de Álvaro Uribe, na qual afirma que caberá ao presidente colombiano ?escolher entre a busca de uma saída política negociada ou a guerra total?. Gonzáles integra o Comando de Direção da Comissão Internacional das Farc e é encarregado das ações diplomáticas dos rebeldes para a América do Sul. Agência Estado - Que perspectivas têm as Farc para o mandato de Álvaro Uribe? Rodolfo González - As Farc não têm nenhuma falsa expectativa. É ao Estado colombiano, e ao dr. Uribe, como cabeça do governo, que caberá escolher entre a busca de uma saída política negociada ou a guerra total. Nada de bom se pressupõe dos enormes recursos já aprovados pelo governo dos EUA para prosseguir em sua ingerência nos assuntos internos da Colômbia. É de se notar que o dr. Uribe tem atuado mais como chanceler "gringo" do que como presidente da Colômbia. Por mínimas que sejam as chances de paz, devemos explorá-las. Exigimos para isso a desmilitarização dos departamentos (províncias) de Caquetá e Putumayo, o combate efetivo ao paramilitarismo oficial e que os representantes do Estado deixem de dirigir-se a nós com as denominações de "terroristas" ou "narcoterroristas", utilizadas para danificar nossa imagem. Como se vê, nossas condições são mínimas. Agência Estado - A redução do tom de confrontação do discurso de Uribe em relação ao da campanha pode ser considerada um triunfo das Farc? González - De modo nenhum. Até agora, quem tem falado é o presidente eleito, não o presidente em função. Tomara que nestes dias ele tenha meditado que nos 40 anos de conflito o Estado não pôde dominar a guerrilha e entendido que a saída esperada pela Colômbia e pelo mundo não é a guerra. Essa é a sua responsabilidade histórica. Agência Estado - Como se justifica a campanha de violência da guerrilha para a renúncia de prefeitos e os seqüestros como o de uma garota de três anos, filha de um desses prefeitos? González - Prefeitos, juízes, vereadores, policiais, soldados do Exército e agentes dos organismos de segurança são os representantes do Estado. Como o Estado nos declarou guerra de forma unilateral e violou acordos, não temos porque deixar que seus funcionários exerçam autoridade. Não se trata de atacar pessoas em particular, mas sim os fundamentos de um Estado que combatemos. É a realidade de um país em guerra e a campanha das Farc demonstra que o Estado colombiano não exerce soberania sobre todo o território nacional. Sobre o caso da garota, entendo que, com sua libertação (na semana passada), corrigimos a tempo um equívoco lamentável. Agência Estado - Quais são os vínculos das Farc com os grupos de narcotráfico da Colômbia? González - Não temos nenhum vínculo na Colômbia, no Brasil ou em qualquer parte do mundo com o narcotráfico. Essa foi a desculpa inicial do governo americano para lançar o Plano Colômbia. Hoje fica claro que esses recursos (dos EUA) estavam destinados à guerra contra as guerrilhas e hoje eles já assumem isso sem nenhum pudor. Os brasileiros podem estar seguros de que as Farc não significam nenhuma ameaça para a sua soberania, integridade ou autodeterminação. E convidamos os brasileiros a defender a Amazônia, ameaçada pelo apetite do império norte-americano. Agência Estado - Como reagiram as Farc à campanha antiterror desencadeada pelos ataques de 11 de setembro e às declarações do presidente Fernando Henrique Cardoso, em que incluiu as Farc na lista dos grupos considerados terroristas? González - A doutrina de guerra antiterror mascara a pretensão de se criar uma ditadura fascistóide de escala planetária. Agridem povos como o do Afeganistão e ameaçam os de Iraque, Coréia, Líbia, Cuba e os movimentos de libertação nacional, como no caso das Farc. No caso do presidente Cardoso, com todo respeito, acreditamos que ele tenha sido mal informado e conheça pouco a realidade colombiana. Ouvimos de sua boca que ele estava disposto a ajudar a paz e a reconciliação entre os colombianos. Até 20 de fevereiro, quando o governo Pastrana rompeu unilateralmente os diálogos de paz, éramos considerados organização política. Passamos a ser terroristas por decreto? No caso de retomarmos as negociações, deixaremos de ser terroristas e voltaremos a ser organização política? Consideramos falta de seriedade tratar esses temas com tanta leviandade. Agência Estado - Que tipo de apoio político as Farc recebem de grupos políticos do Brasil? As palestras de representantes das Farc em escolas secundárias brasileiras continuam? González - Recebemos apoio do povo brasileiro, senadores, partidos políticos, movimentos sindicais, igrejas, intelectuais, ONGs e de alguns militares que não se deixaram levar pela campanha de propaganda contra nós. Essas forças sabem que nas selvas colombianas está em jogo não só o futuro da Colômbia, mas em grande parte o de toda a América Latina que se recusa a curvar-se à política imperial. Participamos de tantos fóruns, debates ou palestras quantos nos convidam. Isso proporciona às pessoas conhecer a outra parte da história, normalmente não registrada pela mídia.

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