Para fazer sua revolução verde, Biden terá de mudar hábito dos americanos

Presidente projeta um país de carros elétricos, impulsionado por energia renovável e edifícios mais eficientes, mas resultado depende de incentivos fiscais e da montagem de uma infraestrutura nova, que demanda pesados investimentos públicos

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Por Beatriz Bulla e Correspondente 
4 min de leitura

WASHINGTON - Até o fim da década, se depender de Joe Biden, uma em cada cinco crianças nos EUA irá para a escola em ônibus elétricos. Serviços federais, como os correios, só usarão carros movidos a eletricidade. Prédios antigos terão maior eficiência energética. Dos pátios das fábricas sairão painéis solares e sistemas de captura de carbono. No mundo sonhado pelo democrata, o governo investirá em inovação e pesquisa, abandonando os combustíveis fósseis. Metade da energia virá de fontes renováveis. 

O desenho do que será o novo país mescla propostas do próprio presidente e um cronograma rígido para atingir a meta anunciada por Biden na cúpula do clima. Ele prometeu cortar entre 50% e 52% as emissões de carbono dos EUA até 2030, na comparação com os níveis de 2005. Isso exigirá mudanças no consumo de energia, promoverá alterações no mercado de trabalho e na maneira como os americanos se deslocam.

Biden promete acelerar a transição usando dinheiro público para intervir no mercado de eletricidade, com crédito tributário e determinação de padrões mínimos de consumo de fontes renováveis. A ideia é usar o poder de compra do governo federal, que gasta mais de US$ 500 bilhões em bens e serviços todos os anos, para impulsionar a agenda verde. A frota de carros oficiais será substituída por veículos elétricos e todos os prédios federais consumirão energia limpa.

Ativistas das mudanças climáticas pedem mudanças ao presidente Joe Biden, em Washington Foto: Jim Lo Scalzo/EFE

“Investimentos na produção de energia renovável com custo competitivo, implantação estratégica de um imposto de carbono neutro em termos de receita e captura de carbono são os caminhos mais promissores e econômicos para os EUA cumprirem seus compromissos e responsabilidades globais”, afirma Arun Agrawal, professor da Escola de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Universidade de Michigan. Segundo ele, o corte de 50% nas emissões de carbono é “viável” e “o primeiro passo” dos EUA para frear as mudanças climáticas.

Na última década, o país registrou queda nas emissões de carbono após substituir usinas movidas a carvão por gás natural. Para alcançar a neutralidade até 2050, no entanto, os EUA terão de acabar com o uso de combustíveis fósseis e adaptar o consumo do gás natural, que deve ser cortado pela metade nos próximos dez anos, segundo modelo da organização Energy Innovation. 

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A Universidade de Maryland projeta que até 2025 todas as novas usinas de gás natural estejam equipadas com mecanismos de captura e armazenamento de dióxido de carbono. O mesmo estudo estima que as fontes renováveis de energia, que hoje representam um quinto da eletricidade total gerada nos EUA, precisam corresponder à metade do total. Isso significa que os americanos terão de quadruplicar a geração de energia renovável.

“São mudanças enormes em eletricidade e transporte. Se falharmos em qualquer área, a tarefa se torna muito mais difícil”, disse Nathan Hultman, um dos autores do modelo proposto pela Universidade de Maryland, ao New York Times. 

Biden tem o próprio plano trilionário para cumprir a meta anunciada, mas depende do Congresso. O projeto de criação de empregos que o presidente americano quer aprovar é apoiado na agenda ambiental e na renovação da infraestrutura do país. No programa, Biden promete, por exemplo, reformar mais de 2 milhões de prédios residenciais e comerciais, escolas, creches e edifícios federais para aumentar a eficiência energética das construções.

Funcionários do governo afirmam que a Casa Branca conseguirá cumprir a meta de reduzir pela metade as emissões de carbono até 2030, ainda que o Congresso não aprove o pacote de infraestrutura de US$ 2,2 trilhões (cerca de R$ 12 trilhões). Especialistas, no entanto, acreditam que sem o plano será difícil tirar as promessas do papel.

A verba prevista no pacote de infraestrutura para reformas no sistema viário dos EUA, segundo Biden, dará mais segurança para pedestres e ciclistas, além de permitir dobrar o financiamento federal para transporte público. Um levantamento do Departamento de Transporte indica que é preciso US$ 105 bilhões para consertar 24 mil ônibus, 5 mil vagões de metrô, 200 estações e trilhos. Tudo isso torna atrasos e interrupções no transporte público frequentes, o que estimula o uso de carros.

Biden também quer tornar os EUA um país de carros elétricos e convencer os motoristas a substituírem seus veículos movidos a gasolina e diesel. A tarefa é difícil, já que os carros do futuro representam 1% da frota total e 2% dos veículos recém-saídos de fábrica. Não só porque custam cerca de US$ 10 mil a mais do que um abastecido a gasolina, mas também porque ninguém sabe onde carregá-los. Para isso, Biden promete construir 500 mil estações de carregamento, além de oferecer incentivos fiscais para indivíduos e empresas que optem pelos carros elétricos. 

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As montadoras anunciaram investimentos. A General Motors acredita que terá apenas carros elétricos a partir de 2035. Mas o sucesso dessa estratégia, dizem especialistas, dependerá da capacidade de as empresas americanas produzirem baterias, um item essencial. 

“A meta de redução de emissões de Biden exigirá um enorme crescimento na produção de bateria de íon de lítio para esses carros elétricos futuros”, afirma Anna Stefanopoulou, professora de engenharia da Universidade de Michigan. Segundo ela, os EUA precisam desenvolver uma economia de bateria circular e treinar especialistas para fabricar e fazer a manutenção das baterias. 

Por isso, talvez o braço crucial do programa de Biden seja o investimento público em pesquisa e desenvolvimento, que inclui treinamento de equipe e reforma de laboratórios para posicionar os EUA como líder global em tecnologia de energia limpa. O país quer desenvolver projetos de armazenamento de energia em escala, captura de carbono e energia nuclear.

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