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Para general francês, África pode ser fonte de ataques à Europa

Especialista diz que Ocidente corre risco de atentados se abandonar a região do Sahel à atividade de extremistas

Por ANDREI NETTO , CORRESPONDENTE e PARIS
Atualização:

Todo o Ocidente, e não apenas a França, corre riscos de uma nova era de atentados caso os jihadistas que tomaram o norte do Mali e vagam por regiões da África não sejam enfrentados e vencidos. O alerta é feito pelo general Vincent Desportes, ex-diretor da Escola de Guerra da França e hoje professor do Instituto de Estudos Políticos (Sciences Po), de Paris, especialista em questões estratégicas e políticas na África. Para o militar, é um erro comparar os grupos extremistas aos taleban do Afeganistão, mas não à Al-Qaeda.As atenções internacionais se voltaram para o Mali nesta semana, depois do início da operação "Serval", a ofensiva da França contra grupos extremistas instalados na região do Sahel. No norte do Mali, atuam três brigadas jihadistas: Al-Qaeda do Magreb Islâmico (AQMI), Ansar Dine e o Movimento pela Unidade e a Jihad na África Ocidental (Mujao). Além desses, o Movimento Nacional de Liberação do Azawad (MNLA) também divide o território, mas tem como bandeira a independência política do Azawad, a parte norte do país.Para Desportes, o primeiro desafio é entender que os três primeiros grupos e a MNLA têm objetivos diferentes. "Os três grupos terroristas estão engajados em uma luta até a morte, sem compromisso algum de negociação política. Nesse caso, será necessário erradicá-los", diz o general. "No caso do MNLA, será necessário criar condições de um diálogo nacional para restabelecer a integridade territorial do país e conseguir chegar a um governo eleito e legítimo."Mas antes é preciso vencer o conflito. E, para tanto, adverte o militar, o Ocidente precisa compreender que corre riscos de que os atentados terroristas voltem à Europa e aos EUA se o Sahel for abandonado aos jihadistas. "Esta não é uma guerra franco-malinesa. A França lançou o ataque porque já que tem bases na África e tinha a responsabilidade de se engajar imediatamente. Mas é determinante que outros países da Europa compreendam que esse também é seu problema", diz o general. "Espanha e Itália, além, é claro, de Alemanha e Grã-Bretanha devem se engajar. Os países do Norte e do Leste também precisam compreender a importância do problema."Desportes diz que é errada a comparação entre o confronto contra os jihadistas no Mali e o realizado contra os taleban no Afeganistão. Segundo ele, as relações entre os combatentes islâmicos e a sociedade é totalmente diferente na África, onde a ameaça tem mais relações com a filosofia da Al-Qaeda, e não com o Talibã. "Os talibãs não atuam no Sahel. A ameaça no Mali é do tipo Al-Qaeda. A AQMI não é formada pelas mesmas pessoas, mas tem as mesmas ideias", explica.Para enfrentá-los, diz o general, a melhor alternativa é investir no treinamento da força africana criada pela ONU para intervir na região. Antes de colocá-la no terreno, porém, será preciso aumentar seu efetivo até 5,5 mil a 6 mil homens, equipá-la e treiná-la para que essa força tenha condições de recuperar a integridade territorial do Mali. "Isso provavelmente vai levar alguns meses. Soldados de Burkina-Faso e Senegal, por exemplo, não tem o hábito de lutar no deserto", diz. Além disso, lembra Desportes, o Sahel começa a entrar na estação de calor mais intenso, com temperaturas que chegarão a 45° C, 50 °C até maio, tornando as operações mais difíceis. A seguir, vem a chuva. "As operações sérias não poderão ser executadas antes de setembro ou outubro. Até lá, a opção é atingir as forças terroristas por via aérea", entende o estrategista.Após a eventual reconquista territorial, ressalta Desportes, a ONU e o Ocidente não podem virar as costas ao Mali. "É o arsenal da Líbia que está em poder dos tuaregues e resultou no corte do Mali em dois. Não sabemos quando o norte do Mali será reconquistado. Mas, depois da reconquista, deverá haver um processo político de estabilização e de desenvolvimento do país."

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