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Para Reino Unido, América Latina está numa ´encruzilhada´

Relatório britânico diz que região pode consolidar avanços ou "reviver caudilhismo"

Por Agencia Estado
Atualização:

Para o governo britânico, a América Latina está hoje numa "encruzilhada". A região poderá consolidar os grandes avanços democráticos e econômicos registrados nos últimos anos, adotando mais reformas estruturais, menos burocracia, e combatendo com mais vigor a corrupção e ao tráfico de drogas, tornando-se assim mais competitiva diante de outras potências emergentes, principalmente as da Ásia. Ou trilhar o caminho do "caudilhismo" político, que traria conseqüências econômicas e sociais negativas para as próximas décadas. Esse é o teor do relatório "América Latina até 2020", elaborado pelo Ministério das Relações Exteriores (Foreign Office), que faz uma avaliação das perspectivas da região para os próximos treze anos, além dos pontos prioritários da política externa britânica. O documento, uma iniciativa inédita, foi apresentando pelo subsecretário de Estado responsável pela América Latina, lorde David Triesman. "Minha principal conclusão é que o momento é crítico", disse Triesman. "Mais progresso é essencial para que a América Latina não perca o que conquistou até agora." Apesar dessas incertezas, ele disse estar confiante que o continente vai seguir uma trajetória de modernização institucional, política e econômica. "Acredito que a América Latina vai, cada vez mais, se tornar uma pela chave na elaboração e condução das políticas globais", disse. Chavismo O relatório não faz críticas diretas ao presidente Hugo Chávez, da Venezuela; Mas segundo fontes diplomáticas, o recado do governo britânico foi claro. A crescente influência do líder venezuelano na região, que abrange de uma forma mais nítida a Bolívia e o Equador, caso seja ampliada, significaria um retrocesso econômico e político na avaliação de Londres. "Eu não sou um fã do nacionalismo", disse Triesman ao ser questionado sobre as medidas adotadas pela Venezuela e Bolívia em seus setores de energia. "E também acho que atitudes nacionalistas não são boas para os investidores, pois eles pensam que serão despossuídos." O documento afirma que um dos principais riscos para a região é que regimes democráticos sejam substituídos por autocracias. "O perigo não é tanto de golpes militares, mas de políticos populistas que se aproveitem do descontentamento diante do baixo desempenho dos partidos políticos e instituições, para se apresentarem como alternativas ideologicamente radicais", disse. "Isso seria reviver a idéia tradicional do caudilho, o homem forte, que imagina poder resolver todos os problemas por meio de sua ação pessoal e seu prestígio, e não através do fortalecimento de instituições duradouras. A oposição política ficaria ameaçada, e as eleições, desvalorizadas." Segundo os britânicos, há o risco de "emergência de duas Américas Latinas distintas". Uma representaria as economias "mais bem-sucedidas de hoje, com administração pública mais eficiente". Suas estruturas sociais, econômicas e políticas se "pareceriam cada vez mais com aquelas vigentes na esfera de seus principais parceiros comerciais", estabelecidos fora da região." O "outro mundo seria formado por países que não souberam consolidar as conquistas obtidas, cujos indicadores sociais estivessem muito abaixo dos de seus vizinhos mais ricos, e cujas instituições públicas funcionassem mal". Apoio ao Brasil As menções ao Brasil foram no geral positivas, inclusive com Triesman reafirmando o apoio britânico à candidatura do País a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. O estudo ressalta que o Brasil, ao lado do México, são "os dois gigantes econômicos do continente", cujas economias alcançaram substanciais avanços nos últimos anos. A importância do Brasil na questão do controle do meio ambiente e sua liderança na produção de combustíveis renováveis também é destacada. "O teor do relatório em relação ao Brasil reflete, além dos avanços do País e de sua crescente importância no cenário internacional, a excelente situação das relações bilaterais com os britânicos", disse à Agência Estado o embaixador brasileiro em Londres, José Maurício Bustani. Burocracia Mas nem tudo foram elogios no caso brasileiro. O Reino Unido criticou o excesso de regulamentação e a burocracia no País, onde "se leva cerca de 152 dias para se registrar uma empresa, mais de cinco vezes o prazo estabelecido como meta pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento, que é de 30 dias". Além disso, o relatório menciona o Brasil quando aborda o aumento do problema da segurança pública na região. "Não se trata apenas de dificuldades na aplicação da lei, mas também de problemas ligados ao desenvolvimento social e econômico, bem como de importantes limitações no sistema legal e judiciário", disse. Segundo o governo britânico, a "corrupção continua endêmica" na maior parte do continente. "Salvo raras exceções, como Chile e Uruguai, a América Latina em geral apresenta classificação bastante desfavorável no índice de corrupção da Transparência Internacional", disse. "A corrupção pode tornar dificílima a vida diária de milhões de latino-americanos, além de frustrar a expectativa de negócios e comprometer esforços de reforma política, econômica e social." O crescimento do PIB do continente, segundo o relatório, permanece dependente do desempenho de alguns poucos setores, sobretudo a exportação de commodities, aumentando a vulnerabilidade frente a um eventual desaquecimento da economia mundial.. "O papel do Estado, comumente apresentado como meio de proteção contra exploração estrangeira e multinacional, pode servir, na verdade, ao propósito de enriquecer as elites domésticas em detrimento de mais amplos benefícios que poderiam ser estendidos à população geral", disse. Alca Segundo o Reino Unido, ao fracasso das negociações para a formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) "não foi apenas uma oportunidade desperdiçada para desenvolver ainda mais as economias regionais, mas também ofereceu uma bandeira política para aqueles que se opõem à liberalização comercial". Os eforços para se acentuar a cooperação regional através de outros grupos, como o Mercosul ou a Comunidade Andina "obtiveram até agora sucesso limitado".

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