Para voltar a temer Israel

País tenta expurgar fantasmas da guerra de 2006 no Líbano

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Por Ethan Bronner
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O objetivo principal da ofensiva de Israel em Gaza é obrigar o Hamas a acabar com seus ataques e impedir seu fortalecimento militar. Mas existe ainda uma outra meta: expurgar o fantasma da fracassada guerra contra o Hezbollah, em 2006, e restabelecer o poder de dissuasão israelense. No segundo dia de ataques, os comandantes israelenses mobilizaram tanques e tropas na fronteira. No entanto, insistiram que a idéia não era reocupar a região e nem derrubar o governo do Hamas, pois o que pode substituir o grupo islâmico deve ser pior para a segurança de Israel. Portanto, o objetivo seria um novo tratado de paz com o Hamas com condições mais específicas. Mas esse objetivo concreto não deve ocultar uma preocupação maior - de que os inimigos de Israel hoje têm menos medo do país que tinham, ou deveriam ter, antes. Para os líderes israelenses, uma demonstração de poder em Gaza pode solucionar isso. Segundo Mark Heller, pesquisador do Instituto de Estudos da Segurança Nacional, na Universidade de Tel-Aviv, os ataques refletem um sentimento entre os israelenses de que o país precisa reconquistar sua capacidade de dissuasão. "A preocupação é que no passado as pessoas não armavam confusão com Israel, pois tinham medo das consequências. Hoje predomina na região a retórica provocativa sobre Israel. Essa operação é uma tentativa de restabelecer a percepção de que, se você provocar ou atacar Israel, vai pagar um preço desproporcional." LEMBRANÇAS LIBANESAS No domingo, diversos comentaristas observaram que a sombra da guerra de 2006 no Líbano pairava sobre o ataque a Gaza. Na ocasião, o Hezbollah vinha disparando foguetes contra Israel, com aparente impunidade, e havia capturado um soldado israelense numa incursão através da fronteira. Israel invadiu o sul do Líbano e durante 34 dias lançou ataques por terra, mar e ar, antes de uma trégua ser negociada. Mas o Hezbollah disparou milhares de foguetes contra Israel e desafiou os israelenses até o fim, ganhando reconhecimento entre os árabes da região e usando seu prestígio para abocanhar uma posição decisiva no governo libanês. O risco em Gaza parece similar - se a operação falhar ou deixar o Hamas na posição de sobrevivente combativo, podendo até ser visto, de algum modo, como vencedor, nos próximos anos o grupo poderá dominar a política palestina. Já que o Hamas, assim como o Hezbollah, está comprometido com a destruição de Israel, isso pode representar um enorme desafio estratégico. Além disso, existem complicações internas. No domingo, o premiê Ehud Olmert retratou a guerra no Líbano, liderada por ele, não como um fracasso, mas uma espécie de modelo para a presente operação, já que a fronteira ao norte ficou completamente silenciosa desde então. Mas muitos israelenses discordam disso. Israel iniciou a guerra prometendo dizimar o Hezbollah, sem ter ideia da extensão da infraestrutura militar, dos bunkers subterrâneos e dos arsenais de foguetes do grupo. E embora para muitos as atividades militares israelenses foram exageradas, em Israel prevalecia o sentimento oposto - o de que as operações foram comedidas e cautelosas demais, fazendo uma distinção entre o Hezbollah e o Estado do Líbano. Segundo os comandantes militares, a operação atual só foi iniciada depois que trabalhos da inteligência e preparatórios pudessem levar a um verdadeiro ataque-surpresa. O Exército israelense mapeou as bases do Hamas, seus campos de treinamento e os depósitos de foguetes, atacando-os sistematicamente com força esmagadora, numa versão israelense do chamado "choque e pavor" (operação americana no Iraque). OS GANHOS DA GUERRA O ministro da Defesa, Ehud Barak, foi quem conduziu os preparativos e, politicamente, é ele quem vai ganhar ou perder mais. Como presidente do Partido Trabalhista, Barak é candidato ao cargo de premiê nas eleições de fevereiro e as pesquisas o colocam num distante terceiro lugar, perdendo para o líder do Likud, Binyamin Bibi Netanyahu, e para a líder do Kadima, a chanceler Tzipi Livni. Mas se o Hamas for levado a um cessar-fogo e as cidades ao sul de Israel não viverem mais sob o temor dos ataques constantes de foguetes, Barak certamente será visto como o líder que o país precisa. Por outro lado, se a operação israelense tiver uma reviravolta desastrosa, seu futuro político será sombrio e Barak terá proporcionado ao Hamas o prestígio há muito tempo desejado. Segundo Ron Ben-Yishai, correspondente militar do Yediot Ahronot, Barak telefonou-lhe logo depois da guerra de 2006 no Líbano, dizendo que ela tinha sido um enorme erro. Israel devia ter esperado e se preparado antes de reagir ao Hezbollah, escolhendo o momento e as circunstâncias para o ataque, disse ele. E isso, disse Ben-Yishai, é o que ele fez agora, não só pelos bastidores, mas por meio de uma sutil campanha de desinformação pública. Na noite de sexta-feira, depois de decidir lançar a operação, Barak apareceu num programa satírico de TV. O que parecia é que qualquer ataque só ocorreria alguns dias à frente, e o Hamas, que estava na expectativa, relaxou. No dia seguinte, do shabat judaico e primeiro dia útil da semana dos árabes, Israel atacou. No momento, existe uma manifesta satisfação, tanto do lado do governo quanto do Exército, pois a operação, até agora, parece ter sido um sucesso. Poucos se concentram no fato de que, neste estágio durante a guerra de 2006, havia a mesma satisfação - antes de as coisas se transformarem num desastre. *Ethan Bronner é colunista do "The New York Times"

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