PUBLICIDADE

EXCLUSIVO PARA ASSINANTES

Paradoxo da Tunísia: islamismo sem sharia

Por Gilles Lapouge
Atualização:

As primaveras árabes nos pregaram uma peça. Há três anos, três países do Magreb rejeitaram, por meio da audácia das ruas, os tiranos que os sufocavam: o tunisiano Ben Ali caiu do seu trono em 14 de janeiro de 2011. Em seguida, foi a vez a vez do egípcio Hosni Mubarak e, depois, do líbio Muamar Kadafi. O mundo inteiro ficou extasiado. Mas no decorrer dos meses, o pessimismo retornou. O poder escapou das mãos débeis da juventude para voltar aos "frios monstros", os militares e os partidos islâmicos que os antigos ditadores por muito tempo reprimiram. Agora, a Tunísia nos envia estranhos sinais. Uma Assembleia Constituinte foi formada. Seus deputados, na maioria islamistas, elaboram a futura Constituição. E surpresa: essa Constituição exclui as soluções desumanas preconizadas em todos os outros países islâmicos. E dá as costas para a terrível sharia, a lei islâmica. Segundo o projeto, "o Estado é o guardião da religião. Ele garante a liberdade de consciência e crença e o livre exercício do culto". E ainda, "a Tunísia é um Estado civil. Os cidadãos e cidadãs são iguais perante a lei, sem discriminação". E também estabelece que "as liberdades de opinião, de pensamento, de expressão e edição" estão garantidas.O que ocorreu com os islamistas do Ennahda? Nos demais países muçulmanos, os radicais recomendam cortar os braços e as pernas das mulheres adúlteras, ou apedrejá-las até a morte. Explicações possíveis? A primeira é que o partido cometeu muitos erros, mas entendeu que é preciso contar com a população. Uma população excepcionalmente evoluída e cultivada que pressionou vigorosamente para afastar o espectro sangrento da sharia. As mulheres tunisianas (que em geral não usam véu) manifestaram sua força, seu discernimento, sua coragem. E o partido as escutou. A vitória da razão sobre o delírio ainda não foi totalmente conquistada. A Assembleia Constituinte não concluiu seu trabalho, mas o novo texto deverá ser votado dia 14. Há muitos obstáculos, mas a esperança existe.*Gilles Lapouge é correspondente em Paris.TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.