Numa demonstração de apoio político ao governo do presidente paraguaio, Mario Abdo Benítez, o governo brasileiro aceitou a decisão “unilateral e soberana” do país vizinho de anular o acordo bilateral sobre a contratação da potência da Usina de Itaipu Binacional, assinado em 24 de maio com o Brasil.
A ata anulada foi divulgada na semana passada e seus termos geraram uma crise política que ameaça levar ao impeachment o presidente paraguaio Mario Abdo Benítez. Uma reunião que estava programada para ocorrer em Brasília ainda esta semana foi antecipada para esta quinta-feira, 1º, e foi realizada em Assunção, com representantes dos ministérios das Relações Exteriores de ambos os países.
Segundo o documento que saiu da reunião, ao qual o Estadão/Broadcast teve acesso, altas partes contratantes instruíram suas equipes técnicas a retomar as reuniões com o objetivo de definir o cronograma de potência a ser contratada pela Eletrobras e pela Administración Nacional de Electricidad (Ande) no período de 2019 a 2022. Agora, a chamada Ata Bilateral vai “voltar às instâncias técnicas para novas negociações sobre a contratação da energia elétrica de Itaipu”.
Ainda de acordo com o documento, os dois países concordam que a falta de acordo com o tema "afeta negativamente o faturamento dos serviços de eletricidade da entidade binacional e, ainda nesse sentindo, destacaram a importância de encontrar um solução para o problema no curto prazo".
O documento, no entanto, deixa claro que o pedido do Paraguai para que a ata fosse denunciada pelos dois países não foi acatado, já que a ata menciona uma decisão unilateral do país vizinho.
Após a divulgação do resultado da reunião desta quinta, diversos deputados e senadores do Paraguai começaram a retirar apoio ao julgamento político de Marito, como Abdo Benítez é conhecido.
Segundo informações da imprensa local, o presidente do Partido Colorado, o deputado Pedro Alliana, informou que o documento mostra que o dano da ata anterior foi corrigido e, portanto, decidiu retirar o apoio ao impeachment.
Impeachment inviável
Para analistas, o recuo praticamente dificulta o avanço do processo de impeachment. “A situação de Abdo Benítez melhorou e, apesar de ele ter perdido muito capital político, ele fez o certo ao pedir desculpas para os paraguaios e dizer que errou”, disse ao Estado o cientista político Miguel Carter, fundador do Centro para a Democracia, a Criatividade e a Inclusão Social e responsável por estudos sobre Itaipu. “Vai haver mais demissões e exonerações, e ele deve conseguir sair da crise política, mas a questão de Itaipu vai continuar presente durante seu governo.”
Um dos principais atingidos pelo escândalo é o vice, Hugo Velázquez, acusado de traição à pátria. Ele teria determinado a retirada de uma cláusula que permitiria ao Paraguai vender excedentes de energia a preços de mercado .
Hoje, depois do acordo, Abdo Benítez discursou no Palácio do Governo, durante cerca de meia hora. “Peço desculpas se eu estava errado. Estamos errados e continuaremos cometendo erros, mas nunca faremos isso de má-fé; muito menos vamos negociar com o futuro da nação paraguaia”, afirmou.
Brasileiro paga mais caro
Em entrevista ao Estadão/Broadcast, o presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores (Abrace), Paulo Pedrosa, afirmou que o Tratado de Itaipu embute um subsídio para a energia do Paraguai que é paga pelos consumidores brasileiros. “É como se a conta de luz dos brasileiros tivesse um 'encargo de política externa'. Existe um subsídio pago por nós ao Paraguai e isso precisa ser dito”, afirmou.
Para Pedrosa, essa situação gera um paradoxo, em que o Brasil perde investimentos justamente por ter uma tarifa cara. “Em um momento em que o Brasil não cresce e a indústria não investe, o Paraguai cresce 6% ao ano, inclusive com investimentos dos empresários brasileiros que migram para o país vizinho para aproveitar a energia barata”, acrescentou.
A crise no Paraguai
Uma grave crise institucional se instalou no país por causa do acordo firmado em segredo pelo governo brasileiro e pelo governo paraguaio sobre os valores cobrados pela energia excedente da usina de Itaipu vendida ao Brasil pelo país vizinho.
Por causa do acordo, diversos integrantes do governo renunciaram e o presidente Mario Abdo Benítez estava sob ameaça de sofrer um julgamento político que pode levar ao seu impeachment.
Mais cedo, nesta quinta-feira, 1°, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil advertiu contra a "quebra da ordem democrática" no Paraguai, e relembrou que o país assumiu “compromissos no âmbito da cláusula democrática do Mercosul - Protocolo de Ushuaia” em 2012, após o impeachment do então presidente Fernando Lugo. Na ocasião, o país chegou a ser suspenso do Mercosul.
Oposição queria impeachment
Na noite de quarta-feira, a Mesa de Partidos da Oposição decidiu iniciar o processo de julgamento político contra Abdo Benítez e Velázquez pelo acordo firmado com o Brasil sobre a venda de energia da usina de Itaipu. Os opositores também planejam apresentar denúncias penais e realizar mobilizações.
"Decidimos dois pontos: o primeiro é impulsionar o julgamento político do presidente e do vice-presidente e a ação penal de todos os envolvidos nesta situação de crise pela questão de Itaipu", disse a presidente do Partido Revolucionário Febrerista (PRF), Josefina Duarte também ao ABC Color.
Enquanto a oposição articula os arguntos para a acusação, será apresentada, nesta quinta-feira, 1, uma denúncia penal a fim de que a Justiça também avance em eventuais sanções contra os responsáveis pelo acordo negociado, segundo a oposição, "contra os interesses nacionais".
Ajuda de Bolsonaro
Também na quinta, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, prometeu ajudar o governo do Paraguai a superar a crise política provocada pelo acordo energético e destacou seu bom relacionamento com Abdo Benítez.
"Nosso relacionamento com o Paraguai é excepcional, excelente. E estamos dispostos a fazer justiça nesta questão de Itaipu Binacional que lá é importantíssimo para o Paraguai e muito importante para nós também", disse.
O acerto entre os dois países colocou Abdo Benítez sob risco de impeachment. "Você sabe como é que funciona, lá é muito rápido o impeachment", avaliou Bolsonaro.
A declaração do presidente é uma referência ao processo que culminou no afastamento do presidente Fernando Lugo, em 2012, e na crise política que atingiu o final do governo de Horacio Cartes, em 2017.
Baixas no governo
Desde a semana passada, ao menos cinco funcionários com cargos de alto escalão no país pediram demissão em razão da crise institucional.
A última a entregar seu cargo foi a secretária de Prevenção de Lavagem de Dinheiro ou Bens do Paraguai, María Epifania González, depois que o nome de seu filho foi citado pela imprensa em uma reunião que definiu a ata entre Brasil e Paraguai.
José Rodríguez González teria interferido em uma reunião com empresários brasileiros para que fosse retirado do acordo uma cláusula que dizia que o Paraguai poderia comercializar livremente sua energia excedente. Com isso, segundo opositores do governo, teria agido contra os interesses nacionais. / COM AFP