Paraíso financeiro de ditadores, Suíça tenta limpar ficha

Governo suíço tenta mudar imagem de maior lavanderia de dinheiro do mundo e se mobiliza para confiscar bilhões de dólares de déspotas; devolver as fortunas para os países de origem, no entanto, tem sido mais difícil do que se imaginava

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Por Jamil Chade e correspondente
Atualização:

GENEBRA - Considerada a maior lavanderia de dinheiro do mundo, paraíso financeiro para quem quer esconder sua fortuna, a Suíça quer mostrar que se mobiliza para confiscar bilhões de dólares em nome de ditadores. Desde 2016, a tarefa de identificar contas de déspotas virou lei e passou a ser prioridade de sua política externa. Mas a devolução dos valores não tem sido simples. 

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Os suíços dizem que já restituíram US$ 2 bilhões, mais do que qualquer outro país. Mas o valor é uma fração mínima dos US$ 7,2 trilhões sob gestão dos bancos suíços, segundo a Associação Suíça de Banqueiros. 

Só no caso dos ditadores derrubados pela Primavera Árabe, a Suíça confirma o congelamento de US$ 570 milhões em nome do egípcio Hosni Mubarak e seus aliados, US$ 60 milhões de Ben Ali, da Tunísia, US$ 90 milhões do líbio Muamar Kadafi e US$ 120 milhões do atual presidente da Síria, Bashar Assad

Quando, em março de 2011, começou a revolta na Síria, Bashar Assad reprimiu de forma cruel as manifestações e iniciou uma guerra contra os rebeldes, que ele compara a "terroristas manipulados" por estrangeiros. A insurgência apoiada pelos países do Golfo, Turquia e países do Ocidente chegou ao seu auge em 2012, centrada na queda do regime. Mas o apoio russo e iraniano a Assad a partir de 2015 inverteu a situação. Em seis anos, a guerra tornou-se muito complexa, com o envolvimento de vários países e grupos jihadistas, e já fez mais de 320 mil mortos Foto: AFP / JOSEPH EID

Outro orgulho dos suíços é a transferência de US$ 93 milhões ao Peru, em 2006. O dinheiro estava em nome de Vladimiro Montesinos, braço direito do ex-ditador Alberto Fujimori. E também o de Sani Abacha, que comandou a Nigéria entre 1993 e 1998: US$ 700 milhões foram congelados no final dos anos 90 e. Em 2016, tudo foi devolvido. 

Ao Estado, o Departamento de Relações Exteriores do país, em Berna, alegou que hoje a devolução de dinheiro roubado por ditadores faz parte das diretrizes da política externa – e não é só uma questão apenas para os tribunais.

No combate à corrupção, a Suíça adotou a prevenção para impedir que fundos de ditadores entrem no sistema financeiro. Caso os ativos furem as barreiras, medidas repressivas são aplicadas, permitindo que o dinheiro seja identificado, congelado e devolvido. 

Para provar que não se trata de mera intenção, o governo suíço permite acesso a detalhes sobre a apuração de alguns dos maiores casos de corrupção de ditadores e em que estágio está o processo de devolução do dinheiro. O Estado teve acesso a esses relatos. 

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Um caso paradigmático é o do dinheiro roubado por Jean Claude Duvalier no Haiti. A fortuna de US$ 6 milhões enviada para a Suíça pelo ditador era fruto da propina que ele cobrava no setor do tabaco, um monopólio do Estado que havia se transformado em sua fonte de renda privada. 

Por 24 anos, Berna não conseguiu que os diferentes governos do Haiti chegassem a uma cooperação para repatriar o dinheiro e nas cortes do país caribenho, Duvalier não foi condenado. Em 2010, a Suprema Corte da Suíça foi obrigada a declarar que os prazos tinham expirados. Isso significaria que os suíços teriam de devolver o dinheiro aos herdeiros de Duvalier. Numa iniciativa inédita, o governo em Berna propôs uma mudança emergencial nas leis do país para permitir que os recursos permanecessem bloqueados.

Falta dono

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 Devolver o dinheiro aos países ainda é um processo penoso por várias razões e a culpa pela demora na recuperação dos ativos não é apenas dos suíços ou de complexos esquemas de camuflagem dos ativos. Em vários casos, o dilema é a quem devolver. Um exemplo foi a novela jurídica em relação ao dinheiro de Mobutu Sese Seko, ditador do Congo. Um dia depois de sua queda, em 1997, as autoridades suíças ordenaram que os bancos vasculhassem qualquer conta em seu nome. Uma conta e uma mansão foram encontrados, no total de US$ 5,5 milhões. 

Por seis anos, porém, a Suíça solicitou que os congoleses dessem informações para permitir o andamento do processo, o que não ocorreu. Kinshasa jamais abriu um processo criminal contra Mobutu e a cooperação judicial foi suspensa em 2003. Para os suíços, estava claro que os aliados de Mobutu mantinham influência no país, a ponto de seu filho mais velho ocupar o cargo de vice-primeiro-ministro no novo regime. Doze anos depois de congelar a fortuna e já com Mobutu morto, a Suíça foi obrigada a liberar o dinheiro aos herdeiros do ditador, em 2009.