REYHANLI, TURQUIA – Um homem magro vestindo um paletó de algodão, e uma mochila, tremia de frio enquanto esperava a abertura do portão na fronteira com a Síria. Centenas de milhares de sírios tentam sair do seu país. Yahya Jamal, de 21 anos, tentava voltar.
Seu pai acabou de morrer, ele disse. A família teve de abandonar a casa por causa dos bombardeios e dorme debaixo das árvores. Por isso, embora ele tenha entrado clandestinamente na Turquia meses antes, estava voltando à Síria para ajudar os familiares.
“Não há ninguém para abrigá-los”, ele disse, o rosto branco ainda em choque. “É impossível encontrar um lugar seguro”.
Oculta atrás das colinas da fronteira turca em Reyhanli, há uma calamidade humanitária do lado sírio.
O governo sírio, apoiado pelas forças russas, intensificou a sua ofensiva que dura há meses para assumir o controle de Idlib, a última província nas mãos da oposição. Depois de suportar pesados bombardeios de vilarejos e cidades, cerca de 900 mil pessoas, na maioria mulheres e crianças, abandonaram suas casas desde dezembro, confluindo para o maior êxodo da guerra civil da Síria desde que ela começou, há nove anos.
A maioria foi para o norte, na direção da fronteira turca, e está vivendo ao relento, no frio. Os que tiveram mais sorte lotam os campos de barracas, outros dormem ao ar livre nas encostas dos morros e nos bosques de oliveiras. Pelo menos 12 crianças morreram expostas às baixas temperaturas.
A Turquia, que já hospeda mais de três milhões de refugiados sírios, fechou a sua fronteira em 2015 para impedir um novo fluxo. O que deixou os habitantes de Idlib em fuga encurralados entre as tropas sírias e russas que avançam e a fronteira turca.
Alguns sírios, na maior parte pessoal médico e comerciantes que têm a permissão de cruzar a fronteira, se acotovelavam no portão para atravessar a pé.
Um comerciante de jóias, Muhammad, viajava com a esposa, Amina, para tirar os filhos da Síria e levá-los de volta com eles à Turquia. Outros comerciantes que têm negócios de ambos os lados da fronteira estão autorizados a ir e vir.
Ele descreveu a situação do outro lado da fronteira em uma só palavra: “uma ameaça”. O casal, como outros entrevistados para este artigo, pediu para ser identificado apenas pelo nome com medo de serem presos pelo governo sírio.
“Todos têm medo”, disse Muhammad. “A situação é péssima. As pessoas moram nas ruas, embaixo das árvores. O frio é intenso”. Edifícios públicos e casas particulares estão superlotados, e é difícil encontrar uma barraca ou qualquer tipo de abrigo, afirmou. Não há comida e nem trabalho.
“Você vê muitas famílias dormindo sobre papelões e cobertores nas ruas”, ele disse. “Todas as cidades estão nesta situação. Se os bombardeios não pararem, procura aproximar-se da fronteira”.
O médico, que disse chamar-se Muhammad, estava registrando a família no posto de controle da imigração na fronteira. Ele contou que tirou a esposa e os quatro filhos de um vilarejo na Síria quando as forças do governo começaram a chegar mais perto. Conseguiu levá-los para a Turquia enquanto ainda trabalhava em um pequeno hospital de campanha na Síria.
O hospital trata 300 pacientes por dia. “Não temos a maioria dos equipamentos importados”, disse. ”O óleo combustível é escasso ou de péssima qualidade. Os preços estão ficando cada vez mais altos”.
A estrada estava repleta de refugiados que fugiam rumo à fronteira, e uma viagem de 32 quilômetros levara seis horas. “É a cena mais horrível”, afirmou. As forças russas e sírias que avançam rapidamente do sul e do leste de Idlib, chegaram à aldeia de Al Atarib, a cerca de 24 quilômetros da fronteira turca.
O ataque parece uma tentativa de cortar as linhas de suprimentos da Turquia para as áreas nas mãos da oposição ou uma tentativa de cercar e situar a cidade de Idlib, onde vivem 700 mil pessoas, segundo as organizações de ajuda.
O exército turco enviou soldados e blindados na parte norte da província para proteger as rotas de aproximação da fronteira turca. O presidente Recep Tayyip Erdogan da Turquia exigiu que as tropas do governo sírio se retirassem das posições anteriormente concordadas no final de fevereiro ou disse que será forçado a fazê-lo com as forças turcas.
Mas os sírios que estão na fronteira se mostram pouco confiantes de que o exército turco consiga deter o avanço sírio.
“Gostaríamos que os europeus atacassem o governo”, disse o comerciante Muhammad. “Gostaríamos que os Estados Unidos viessem. Mas não acreditamos que eles façam isto”.
“Bashar está nos matando”, referindo-se ao presidente Bashar Assad da Síria. “Diariamente morrem centenas de pessoas; agora os EUA precisam fazer alguma coisa”.
Otursan Mustafá, de 25 anos, mãe de três crianças, falou ao telefone de Kafr Karmin, uma aldeia síria a menos de sete quilômetros da linha de frente em Al Atarib, onde ela está bloqueada com duas outras mães e 14 crianças.
“Os bombardeios não dão trégua”, ela disse. “Se eu parar de falar, vocês vão poder ouvir”.
O avanço sírio vindo do leste foi tão rápido que muitas famílias ficaram sem ação, disse Fouad Sayed Issa, fundador da Violet, uma ONG síria de ajuda.
A Violet tem mil voluntários que alugam, pedem ou emprestam caminhões para evacuar famílias que não têm meios de transporte ou combustível nas áreas da linha de combates.
A escala da movimentação de pessoas é impressionante, acrescentou. O grupo resgatou 17 mil pessoas da cidade de Ariha em uma única operação. Um campo da ONU com 10 mil desalojados se esvaziou quase da noite para o dia quando as forças do governo se aproximaram. Todos convergem para o campo já montado na fronteira turca.
“Parece o fim do mundo”, ele disse. Milhares de pessoas se amontoam nos campos, permanecem ali, na esperança de receber alguma assistência.
À medida que os bombardeios sírios se aproximarem, mais gente fugirá, previu. “Ninguém vai ficar aqui”, acrescentou. Isto só deixa uma solução, falou – a Turquia terá de abrir a sua fronteira aos refugiados. “Estamos pedindo que abram a fronteira”, afirmou. “Ancara precisa decidir”.