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Paz para os espíritos no Vietnã

Centenas de famílias de soldados sul-vietnamitas, mortos em campos de prisioneiros, tentam encontrar os restos dos parentes mais de 30 anos depois

Por MY-THUAN TRAN
Atualização:

A última vez que Daniel Dien Luong viu seu pai foi através da cerca de um antigo acampamento do Exército no Vietnã do Sul há mais de 30 anos. Seu pai estava sendo mantido prisioneiro pelo governo comunista que havia detido milhares de ex-soldados para ser "reeducados" após a Guerra do Vietnã. O garoto de 13 anos rodava duas horas de bicicleta para visitar o pai todo domingo às 13 horas. Eles acenavam um para o outro de longe enquanto guardas armados vigiavam. Um dia, a família encontrou o acampamento vazio. Isso foi dois meses antes de eles receberem uma carta da cidade de Luong Van Hoa, cerca de 1.600 quilômetros ao norte de sua casa em Saigon, agora conhecida como Cidade Ho Chi Minh. Em 1977, suas cartas pararam de chegar. A família temeu o pior. Um certificado de óbito chegou dez meses depois. Luong, como centenas de integrantes de famílias de soldados sul-vietnamitas capturados, esforçou-se para descobrir onde seu pai fora enterrado. No próximo mês, Luong e sua mãe viajarão à Província de Wen Bai na esperança de recuperar os restos mortais de seu pai, 32 anos após sua morte. Alívio. Luong, hoje com 46 anos e vivendo em Los Angeles, disse que encontrar mesmo um vestígio de seu pai traria um alívio para sua família. Na tradição budista vietnamita, sem um enterro adequado o espírito fica perdido, errando para sempre. "Por meu pai. Ele nunca teve a chance de voltar para casa", disse Luong. "Seu espírito não pode se reunir a nós. Sempre houve essa sensação de incerteza." Desde 2007, a Returning Casualty (organização americana que ajuda a encontrar os restos mortais de ex-soldados no Vietnã) localizou 313 túmulos e conduziu 59 famílias, a maioria dos Estados Unidos, por densas florestas para encontrar os restos de seus entes queridos, disse Thanh Dac Nguyen, que chefia a organização com sede em Houston. Descobrir e identificar túmulos não é tarefa fácil, disse Thanh Dac Nguyen. A maioria não é marcada ou as lápides estão ilegíveis, Com frequência, a terra foi abandonada e está coberta de mato. Para suas buscas, Nguyen apóia-se em moradores locais e mapas desenhados à mão. Ele também teve trabalho para obter de autoridades locais registros de enterros. Como milhares de seus colegas soldados, Nguyen foi atirado num campo de "reeducação" no fim da guerra. Os prisioneiros eram obrigados a fazer trabalhos duros e sofriam com a fome, a desidratação e as condições insalubres. Muitos não sobreviveram, e suas famílias nunca souberam o que lhes ocorreu. Nguyen foi um dos afortunados. Ele retornou a sua família nove anos depois e acabou se mudando para Houston. Mas nunca esqueceu seus antigos camaradas que morreram em confinamento. Ele sentiu que era seu dever trazer paz para as famílias deles. Exumações. Em 2006, começou a pesquisar como localizar os túmulos. Ele trabalhou com o governo vietnamita para conseguir autorizações para exumar os túmulos e procurar as famílias dos ex-prisioneiros de guerra. Sua organização depende de doações para o pagamento das viagens. Durante anos, Luong e sua mãe, Nhung Thi Nguyen, de 64 anos, falaram em encontrar o local do túmulo de seu pai. Mas não sabiam por onde começar. Alguns meses atrás, ela recebeu um telefonema de um amigo que havia lido um artigo sobre a Return Casualty num jornal em língua vietnamita. Ali estava o nome de seu marido - Luong Van Hoa -, enterrado na cidade de Thac Ba, cercado por outros 30 túmulos. Ondas de tristeza apoderaram-se dela. Seu filho também ficou espantado; fazia tanto tempo que ele não via o nome do pai. Luong e a mãe fizeram planos de viajar ao norte do Vietnã com a Returning Casualty. Dez outras famílias fizeram o mesmo, disse Nguyen. Quando adolescente, Luong queria entrar no Exército como o pai. "Acho que ele planejava isso também", disse Luong. "Se tivesse sobrevivido, imaginei que iríamos para nosso lote de terra e seríamos os melhores amigos." Mas o destino deu outro curso à vida de Luong. A guerra havia sido difícil para a família. As irmã de 3 anos de Luong morreu em um fogo de artilharia quando a família visitou seu pai um dia. Os Luong haviam perdido a oportunidade de escapar do Vietnã imediatamente depois da tomada do poder pelos comunistas em 1975. O pai de Luong decidiu ficar para trás porque não queria abandonar sua mãe. Ele acreditava que estaria seguro, mas foi levado para o campo de prisioneiros pouco depois. Após Nhung Thi Nguyen descobrir que seu marido de 39 anos havia morrido, ela pegou seus três filhos e entrou num barco. A família terminou emigrando para Glendale. Luong tornou-se um programador de computador. Como filho mais velho, ele tinha as lembranças mais fortes do pai - um homem que lhe mostrava rações alimentares de soldado, que o ajudou a construir uma maquete de casa para um projeto escolar. Esta será a terceira viagem de Nguyen para recuperar restos mortais desde 2007. Membros de famílias trazem incenso, e muitos realizam cerimônias fúnebres nos locais de enterro, queimando pedaços de papel e se ajoelhando na terra para entoar orações. Num vídeo postado no vietremains.org, o site da organização, um homem eleva incenso até sua testa. "Somente depois de tanto tempo eu consegui encontrá-lo. Estou aqui para levá-lo para casa", grita o homem. "Pai, não fique aqui. É frio." Os ossos são desenterrados com a ajuda de moradores locais, disse Nguyen, e embalados em papel dourado. Muitos são levados para o sul do Vietnã e guardados num templo para testes de DNA, acrescentou. A organização está trabalhando para restaurar o antigo cemitério militar nacional no Vietnã, Bin An, na esperança de que os restos possam ser enterrados permanentemente ali. Luong sabe que é possível que não tenha sobrado nada de seu pai. "Pelo menos espero ver onde ele esteve repousando todos esses anos", disse. A foto do pai sorrindo e usando seu uniforme de capitão da artilharia, ocupa um altar na casa de Luong, atrás de um vaso de incenso. "É um lembrete", disse ele. "Todo o mundo quer reclamar seus entes queridos, para que eles tenham um fim. Para outras pessoas, quando seu pai morre, elas podem visitar um túmulo. Para nós, há uma circunstância amarga na maneira como ele morreu. Nós simplesmente queremos algum tipo de desfecho." / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIKÉ JORNALISTA

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