Pedreiro reaparece após discurso de Néstor Kirchner

Gerez estava debilitado e mostrava sinais de tortura

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Por Agencia Estado
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Um homem muito abalado e com sinais de tortura, que havia desaparecido após prestar depoimento sobre a repressão da última ditadura militar argentina, reapareceu pouco após o discurso enérgico do presidente Néstor Kirchner, que afirmou que "há pessoas que desejam obter a impunidade através do medo". Altos funcionários do Governo afirmaram neste sábado que "a pressão" exercida pelo discurso do líder "foi muito importante" para que fosse encontrado com vida o pedreiro Luis Gerez, descoberto na quinta à noite em Garín, nos arredores de Buenos Aires, após ficar dois dias desaparecido. "Ele foi torturado. Tinha marcas de cigarros no peito e sinais de que foi amarrado nos pulsos. (Quando foi seqüestrado) colocaram um pano em sua cabeça, e o arrastaram em um veículo. São vestígios de uma prática de políticos e militares da repressão, exercida durante a ditadura militar (1976-1983)", acrescentou o ministro de Segurança da província de Buenos Aires, León Arslanián. Segundo algumas versões, o pedreiro, de 51 anos, teria sido submetido a simulações de fuzilamento enquanto esteve em cativeiro. Minutos após sua libertação, o próprio Gerez afirmou a Kirchner, em uma conversa telefônica, que "deve a vida" à reação do presidente argentino. O ministro do Interior Aníbal Fernández disse que o Governo acredita na existência de "motivações políticas" no seqüestro. Enquanto isso, o chefe de Gabinete Alberto Fernández pediu que seja "investigado a fundo" se o ex-comissário Luis Patti, que havia sido acusado por Gerez de ter lhe torturado em 1972, teve envolvimento no seqüestro. "O fato de que tenham seqüestrado uma testemunha por 48 horas dá muito o que pensar, apesar de eu não poder fazer nenhuma acusação concreta", acrescentou Fernández. O governador Felipe Solá disse que se trata de um "seqüestro político", e afirmou que o discurso de Kirchner foi essencial para o reaparecimento do pedreiro, que milita em um grupo peronista. Na mensagem transmitida pelo rádio e pela televisão, o chefe de Estado afirmou ontem à noite que o Governo não pode "ceder a esta pressão". Kirchner atribuiu a "grupos paramilitares" o desaparecimento de Gerez e o de Jorge Julio López, de 77 anos, outra testemunha em uma ação por crimes da ditadura militar, que está desaparecido desde 18 de setembro. "Saibam todos que este presidente não permitirá que seja aprovada nenhum tipo de lei de anistia. A sociedade argentina é agredida pela ação mafiosa de quem quer garantir sua impunidade", advertiu. Além disso, Kirchner enfatizou que o Governo não permitirá "a interrupção dos processos" contra repressores do regime militar, que foram reativados após a Suprema Corte de Justiça ter declarado inconstitucionais no ano passado as chamadas "leis do perdão". Revisão As leis de Obediência Devida e Ponto Final, criadas no anos 80, tinham livrado de responsabilidade mais de mil militares e policiais acusados de crimes de lesa-humanidade. O depoimento de Gerez contra Patti - também acusado por outras violações aos direitos humanos durante a ditadura - foi fundamental para que a Câmara dos Deputados evitasse, em maio, que o ex-comissário assumisse a vaga para a qual tinha sido eleito nas eleições legislativas de 2005. A esposa de Gerez, Mirtha Praino, admitiu hoje que seu marido havia sido "ameaçado" várias vezes nos últimos meses, mas se negou a receber proteção como testemunha. Após receber alta de um hospital do distrito de Escobar, na província de Buenos Aires, Gerez foi encaminhado de volta para casa. No local o pedreiro será atendido por uma equipe médica, para evitar que sofra de "choque pós-traumático" causado pelo seqüestro. Hoje os policiais continuavam as investigações para descobrir os responsáveis pelo seqüestro.

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