Pela primeira vez, ONU denuncia Estado Islâmico por genocídio

Informe enviado ao Conselho de Segurança foi produzido pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro

PUBLICIDADE

Por Jamil Chade , correspondente e Genebra
Atualização:

GENEBRA - Pela primeira vez, a ONU denuncia o Estado Islâmico (EI) por genocídio. A constatação legal inédita do crime faz parte de uma denúncia feita pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, presidente da Comissão de Inquérito da ONU sobre Crimes na Síria. Em seu informe, ele pede que o caso seja levado a cortes internacionais e que haja uma intervenção por parte do Conselho de Segurança para salvar a minoria yazidi, na fronteira entre o Iraque e Síria. 

"Um genocídio está ocorrendo", disse Pinheiro ao Estado. Segundo ele, nomes dos autores dos crimes foram coletados e envolvem inclusive combatentes estrangeiros. O informe ainda está sendo colocado à disposição de procuradores dos países citados que queiram abrir processos contra seus nacionais em tribunais locais.

Crianças da minoria yazidi, fugidas da violência na cidade iraquiana de Sinjar, fazem fila para receber alimentos num acampamento nos arredores da Província de Dohuk Foto: Ari Jalal / Reuters

PUBLICIDADE

"Lidar com o genocídio é uma obrigação de todos os Estados e espero que, desta vez, o Conselho de Segurança decida agir", disse Pinheiro. 

O documento preparado revela a brutalidade dos atos.“O EI tenta destruir os yazidis por meio de assassinatos, escravidão sexual, tortura, tratamento desumano, impondo medidas para impedir que crianças possam nascer, transferência de crianças de famílias para lutar e apagando suas identidades”, apontou o documento, obtido pelo Estado

Com uma tradição milenar, os yazidis são considerados como “infiéis” pelos extremistas e, desde 2014, há uma clara meta para acabar com esse povo. “As declarações públicas e as ações do EI e de seus combatentes claramente mostram que existe uma tentativa de destruir um povo”, afirma o documento. 

“Com as informações que estamos trazendo, um processo pode ser iniciado. Fizemos nossa parte, trazendo evidências de um genocídio. Justiça precisa ser feita”, disse o brasileiro. 

“Fizemos uma investigação e é a base para um indiciamento”, afirmou Carla del Ponte, ex-procuradora para a antiga Iugoslávia e hoje parte do grupo liderado por Pinheiro. “Temos os nomes dos autos, os relatos de massacres. O Conselho de Segurança está unido em combater o EI. Agora, tem as bases para agir”, insistiu.

Publicidade

Crimes. De acordo com o levantamento, que levou meses para ser feito, 400 mil yazidis viviam na região em agosto de 2014. Desde então, milhares foram mortos, sequestrados, torturados e vendidos como produtos. "Eles foram dizimados", diz o informe. 

Segundo Pinheiro, mais de 3,2 mil mulheres e crianças estão hoje sendo mantidos pelo EI. A maioria delas estão na Síria, como escravas sexuais de combatentes. Alguns chegam a ter nove anos. Já os meninos estão sendo doutrinados, “inclusive para matar seus próprios pais”. “Milhares de garotos e homens estão desaparecidos”, disse. 

Os relatos obtidos pelos investigadores revelam o drama. “Depois que fomos detidas, fomos obrigadas a assistir aos nossos maridos e irmãos serem decapitados”, contou uma garota de 16 anos, presa por 16 meses. “Os combatentes pegavam facas e degolavam as pessoas, em plena rua”, disse. 

Yazidis abandonam suas casas e fogem de violência do Estado Islâmico Foto: REUTERS/Ari Jalal

Uma mulher, que foi vendida entre combatentes cinco vezes, contou que, na cidade onde vivia, os homens foram separados das mulheres. “Nunca mais vi meu marido”, contou.

PUBLICIDADE

Uma garota de 12 anos e vendida 4 vezes contou que viu meninas ainda mais novas que ela serem usadas sexualmente. “Dizíamos que, se alguém te escolher, é melhor se matar”, disse. 

Um dos relatos mais impressionantes foi de uma mulher vendida 15 vezes entre combatentes. Segundo ela, o centro do comércio era a cidade de Raqqa. “Era ali que se comprava e se vendia mulheres”, disse. 

Resgate. Com base nas informações coletadas por Pinheiro, as mulheres apenas conseguem voltar para suas famílias quando são revendidas a seus parentes. Se no mercado elas valem entreUS$ 200 e US$ 500, o retorno para seus lares pode custar até US$ 40 mil. 

Publicidade

De acordo com os relatos, famílias vendem todos os bens para recuperar suas filhas e chegam a fazer um "plano de pagamento" em prestações. 

“O EI cometeu e continua cometendo o crime de genocídio, assim como múltiplos crimes contra a humanidade e crimes de guerra”, alertou o documento de Pinheiro, que apela para uma ação “urgente” por parte do Conselho de Segurança. 

Segundo ele, o genocídio cometido não é apenas por meio de mortes e assassinatos. “A destruição dos yazidis ocorre por várias formas”, alerta, reconhecendo inclusive massacres de cidades inteiras. 

Veja abaixo: Yazidis contam como enfrentaram Estado Islâmico antes de fugir para montanhas

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.