A relação entre os Estados Unidos e o México atingiu nesta quarta-feira seu ponto mais tenso da história recente, com a decisão do presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, de cancelar a visita que faria a Washington na terça-feira e a declaração de Donald Trump de que buscará “outro caminho” para forçar o país vizinho a pagar pelo muro que prometeu construir na fronteira.
O confronto ameaça a estabilidade de um relacionamento que vai além do comércio e abrange questões de segurança, combate ao tráfico de drogas e imigração. Com uma fronteira de 3.200 km, os dois países aprofundaram seus laços nas últimas três décadas, em grande parte em razão do Nafta, o acordo de livre-comércio que Trump ameaça abandonar.
“Eu disse muitas vezes que o povo americano não vai pagar pelo muro”, afirmou Trump durante um encontro do Partido Republicano. “A menos que o México esteja disposto a tratar os EUA de maneira justa, com respeito, esse tipo de encontro não daria frutos e eu quero percorrer outro caminho.”
Poucas horas antes, Peña Nieto havia anunciado pelo Twitter que não iria à reunião com Trump. Um dia antes, o presidente americano assinou um decreto determinando o início “imediato” da construção da obra, que se transformou em símbolo de sua campanha contra a imigração ilegal. Trump também anunciou medidas que levarão ao aumento da deportação de pessoas que vivem sem documentos nos Estados Unidos, a maioria das quais de origem mexicana.
Pressionado pela opinião pública mexicana, Peña Nieto fez um pronunciamento pela TV na noite de quarta-feira, no qual afirmou que seu país não pagaria pelo muro.
“É um desastre que provocará muito mais dano para o México, que é extremamente dependente dos Estados Unidos”, afirmou Peter Hakim, presidente emérito do Diálogo Interamericano, que disse nunca ter visto um momento tão ruim na relação bilateral.
Danos. O México é o segundo maior destino das exportações dos EUA, que vendeu ao país bens no valor de US$ 212 bilhões nos primeiros 11 meses de 2016, o equivalente a 15% do total. Na mão contrária, o México exportou US$ 271 bilhões aos EUA no mesmo período, o que representou 80% de suas vendas externas.
No discurso desta quinta-feira, Trump indiciou que pretende usar a dependência comercial do México para forçar o país a pagar pelo muro. O caminho seria a reforma tributária em discussão no Congresso, que reduz o imposto de renda sobre exportações americanas e aumenta o incidente sobre as importações. “É um incentivo para que as empresas não importem do México”, avaliou o brasileiro Aluisio Lima-Campos, especialista em comércio e professor da American University.
Segundo ele, o impacto iria além do comércio. Com barreira para aceder ao mercado dos EUA, muitas empresas americanas deixariam de investir no país vizinho. Além da mudança de impostos sobre exportações e importações, o presidente americano ameaça impor tarifas sobre bens exportados por companhias que transfiram suas linhas de montagem dos EUA para o país vizinho.
Mas a deterioração econômica no México pode agravar os outros problemas que são prioridade na agenda de Trump: a imigração ilegal e o tráfico de drogas. Sem empregos em seu país, mais mexicanos tentarão cruzar a fronteira em busca de trabalho nos EUA. “Nós estabelecemos uma cooperação no combate às drogas, mas tudo isso está em xeque agora”, disse Melvyn Levitsky, professor da Universidade de Michigan e ex-embaixador dos EUA no Brasil.
Tanto ele quanto Hakim afirmaram que a situação de Peña Nieto é extremamente difícil. “O México é um grande país, é uma democracia e o presidente tem de responder à sua base interna”, observou o embaixador.
Na avaliação de Hakim, a hostilidade de Trump em relação ao México reflete seu desprezo pela região como um todo. “O muro com o México é um muro com a América Latina”, afirmou. “O confronto entre os dois países vai agravar uma série de problemas relacionados às drogas e à imigração.”