PEQUIM - O Partido Comunista Chinês já exerce uma influência desproporcional no cenário político de Hong Kong. Seus aliados controlam há muito o comitê que escolhe a dedo o líder do território. Seus seguidores dominam a câmara legislativa da cidade, que expulsou quatro legisladores da oposição no ano passado.
Agora, a China planeja impor restrições no sistema eleitoral de Hong Kong para excluir candidatos que o Partido Comunista considere desleais, uma manobra que poderá impedir defensores da democracia de disputar qualquer cargo eletivo na cidade.
O plano de reformulação reforça a determinação do Partido Comunista de aniquilar os poucos vestígios remanescentes de dissidência política, após os protestos antigoverno que incendiaram o território em 2019. A reformulação foi desenvolvida com base nos princípios da lei de segurança nacional que Pequim aplicou em meados do ano passado, concedendo poder absoluto para a perseguição de dissidentes por parte das autoridades.
Coletivamente, esses esforços estão transformando a independente - e frequentemente bagunçada - democracia parcial de Hong Kong em um sistema mais parecido com o autoritarismo chinês, que exige obediência quase absoluta.
“No nosso país, onde a democracia socialista é praticada, a dissidência política é permitida, mas há um limite”, afirmou na segunda-feira, 22, em um discurso contundente o diretor do Escritório para Assuntos de Hong Kong e Macau do governo chinês, Xia Baolong, revelando as intenções de Pequim. “Não se pode permitir que o sistema fundamental do país seja prejudicado - ou seja, não se pode prejudicar a liderança do Partido Comunista da China."
O governo central quer que Hong Kong seja governada por “patriotas”, afirmou Xia, e não permitirá que o governo de Hong Kong reescreva as leis do território, como era esperado anteriormente - Pequim fará isso por conta própria.
Xia não entrou em detalhes, mas a chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, confirmou as linhas gerais do plano, afirmando na terça-feira, 23, que os vários anos de protestos intermitentes a respeito do futuro político de Hong Kong forçaram o governo nacional a agir.
Quando o Reino Unido devolveu a soberania de Hong Kong para a China, em 1997, foi prometido ao território um alto grau de autonomia, além da preservação do sistema capitalista e do estado de direito.
Nas décadas que se sucederam, porém, muitos dos 7,5 milhões de habitantes da cidade ficaram desconfiados diante da ingerência de Pequim em liberdades individuais e com promessas não cumpridas de sufrágio universal. O Partido Comunista, de sua parte, ficou alarmado com a resistência aberta ao seu governo na cidade, responsabilizando por isso o que denomina de forças hostis estrangeiras determinadas a minar sua soberania.
As tensões aumentaram em 2019, quando multidões de moradores de Hong Kong tomaram as ruas em protestos por vários meses, pedindo, entre outras coisas, sufrágio universal. Eles também escancararam o rechaço a Pequim dando aos candidatos pró-democracia uma avassaladora vitória nas eleições distritais locais, havia muito dominadas pelo governo central.
A nova reformulação no sistema busca evitar esses percalços eleitorais e, mais importante, também confere a Pequim um controle muito maior sobre o comitê de 1,2 mil integrantes que decidirá no começo do ano que vem quem será o chefe do Executivo da cidade pelos próximos cinco anos.
Diferentes grupos na sociedade de Hong Kong - banqueiros, advogados, contadores e outros - votarão este ano para escolher representantes no comitê. A urgência da manobra do Partido Comunista sugere uma preocupação de que o sentimento pró-democracia em Hong Kong seja tão forte que o partido poderia perder o controle do comitê se não desqualificar os defensores da democracia da disputa.
Lau Siu-kai, conselheiro sênior da liderança chinesa para políticas envolvendo Hong Kong, afirmou que a câmara legislativa nacional, controlada pelo Partido Comunista, deverá avançar com a reforma eleitoral quando se reunir em Pequim para sua sessão anual, que se inicia em 5 de março.
Lau, ex-funcionário graduado do governo de Hong Kong, afirmou que a câmara legislativa, o Congresso Nacional Popular, provavelmente criará um grupo de autoridades de alto nível, com a atribuição jurídica de investigar todos os candidatos a cargos públicos e determinar caso a caso se o candidato é genuinamente leal a Pequim.
O plano abrangeria candidatos a aproximadamente 2 mil cargos públicos em Hong Kong, incluindo para o comitê que escolhe o chefe do Executivo, a câmara legislativa e os conselhos distritais, afirmou ele.
A nova lei eleitoral em elaboração não terá efeito retroativo, afirmou Lau, e os atuais conselheiros distritais manterão seus cargos, contanto que cumpram a lei e jurem lealdade a Hong Kong e à China.
Autoridades de Pequim e meios de comunicação estatais fizeram retumbantes chamados ao longo do mês passado para que Hong Kong seja governada exclusivamente por pessoas “patriotas”. Para Pequim, esse termo é definido estritamente como lealdade ao governo central da China, particularmente ao Partido Comunista Chinês.
O líder máximo da China, Xi Jinping, conversou a respeito do assunto com Lam, no fim de janeiro, dizendo a ela que ter patriotas governando Hong Kong era a única maneira de garantir a estabilidade da cidade no longo prazo. E, na terça feira, o governo de Hong Kong afirmou que apresentaria o projeto de lei exigindo que os conselheiro distritais façam juramentos de lealdade, banindo candidatos de concorrer a cargos públicos por cinco anos caso eles sejam considerados hipócritas ou insuficientemente patriotas.
“Não se pode dizer, ‘Sou patriota, mas não respeito o fato de o Partido Comunista liderar o país’”, afirmou em entrevista coletiva Erick Tsang, secretário de Hong Kong para assuntos constitucionais e relativos ao governo central.
Michael Mo, conselheiro distrital que critica Pequim abertamente, afirmou que planeja fazer o juramento de lealdade, mas que não tem ideia se isso seria suficiente para as autoridades.
“Não cabe a mim definir se sou ou não patriota”, afirmou Mo. “A chamada nota de corte é desconhecida.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL