China aperta cerco a Hong Kong e fará lei para que apenas 'patriotas' possam atuar na política

Governo central pretende ignorar as autoridades locais, exatamente como fez com a lei de segurança nacional no ano passado

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Por Keith Bradsher , Vivian Wang e Austin Ramzy
Atualização:

PEQUIM - O Partido Comunista Chinês já exerce uma influência desproporcional no cenário político de Hong Kong. Seus aliados controlam há muito o comitê que escolhe a dedo o líder do território. Seus seguidores dominam a câmara legislativa da cidade, que expulsou quatro legisladores da oposição no ano passado.

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Agora, a China planeja impor restrições no sistema eleitoral de Hong Kong para excluir candidatos que o Partido Comunista considere desleais, uma manobra que poderá impedir defensores da democracia de disputar qualquer cargo eletivo na cidade.

O plano de reformulação reforça a determinação do Partido Comunista de aniquilar os poucos vestígios remanescentes de dissidência política, após os protestos antigoverno que incendiaram o território em 2019. A reformulação foi desenvolvida com base nos princípios da lei de segurança nacional que Pequim aplicou em meados do ano passado, concedendo poder absoluto para a perseguição de dissidentes por parte das autoridades.

Manifestação pró-democracia em Hong Kong, em 1º de janeiro de 2020. Foto: Lam Yik Fei/The New York Times

Coletivamente, esses esforços estão transformando a independente - e frequentemente bagunçada - democracia parcial de Hong Kong em um sistema mais parecido com o autoritarismo chinês, que exige obediência quase absoluta.

“No nosso país, onde a democracia socialista é praticada, a dissidência política é permitida, mas há um limite”, afirmou na segunda-feira, 22, em um discurso contundente o diretor do Escritório para Assuntos de Hong Kong e Macau do governo chinês, Xia Baolong, revelando as intenções de Pequim. “Não se pode permitir que o sistema fundamental do país seja prejudicado - ou seja, não se pode prejudicar a liderança do Partido Comunista da China."

O governo central quer que Hong Kong seja governada por “patriotas”, afirmou Xia, e não permitirá que o governo de Hong Kong reescreva as leis do território, como era esperado anteriormente - Pequim fará isso por conta própria.

Xia não entrou em detalhes, mas a chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, confirmou as linhas gerais do plano, afirmando na terça-feira, 23, que os vários anos de protestos intermitentes a respeito do futuro político de Hong Kong forçaram o governo nacional a agir.

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Quando o Reino Unido devolveu a soberania de Hong Kong para a China, em 1997, foi prometido ao território um alto grau de autonomia, além da preservação do sistema capitalista e do estado de direito.

Nas décadas que se sucederam, porém, muitos dos 7,5 milhões de habitantes da cidade ficaram desconfiados diante da ingerência de Pequim em liberdades individuais e com promessas não cumpridas de sufrágio universal. O Partido Comunista, de sua parte, ficou alarmado com a resistência aberta ao seu governo na cidade, responsabilizando por isso o que denomina de forças hostis estrangeiras determinadas a minar sua soberania.

A China planeja impor restrições ao sistema eleitoral de Hong Kong para eliminar candidatos que o Partido Comunista considera desleais. Foto: Lam Yik Fei/The New York Times - 29/05/2020

As tensões aumentaram em 2019, quando multidões de moradores de Hong Kong tomaram as ruas em protestos por vários meses, pedindo, entre outras coisas, sufrágio universal. Eles também escancararam o rechaço a Pequim dando aos candidatos pró-democracia uma avassaladora vitória nas eleições distritais locais, havia muito dominadas pelo governo central.

A nova reformulação no sistema busca evitar esses percalços eleitorais e, mais importante, também confere a Pequim um controle muito maior sobre o comitê de 1,2 mil integrantes que decidirá no começo do ano que vem quem será o chefe do Executivo da cidade pelos próximos cinco anos.

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Diferentes grupos na sociedade de Hong Kong - banqueiros, advogados, contadores e outros - votarão este ano para escolher representantes no comitê. A urgência da manobra do Partido Comunista sugere uma preocupação de que o sentimento pró-democracia em Hong Kong seja tão forte que o partido poderia perder o controle do comitê se não desqualificar os defensores da democracia da disputa.

Lau Siu-kai, conselheiro sênior da liderança chinesa para políticas envolvendo Hong Kong, afirmou que a câmara legislativa nacional, controlada pelo Partido Comunista, deverá avançar com a reforma eleitoral quando se reunir em Pequim para sua sessão anual, que se inicia em 5 de março.

Lau, ex-funcionário graduado do governo de Hong Kong, afirmou que a câmara legislativa, o Congresso Nacional Popular, provavelmente criará um grupo de autoridades de alto nível, com a atribuição jurídica de investigar todos os candidatos a cargos públicos e determinar caso a caso se o candidato é genuinamente leal a Pequim.

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O plano abrangeria candidatos a aproximadamente 2 mil cargos públicos em Hong Kong, incluindo para o comitê que escolhe o chefe do Executivo, a câmara legislativa e os conselhos distritais, afirmou ele.

A nova lei eleitoral em elaboração não terá efeito retroativo, afirmou Lau, e os atuais conselheiros distritais manterão seus cargos, contanto que cumpram a lei e jurem lealdade a Hong Kong e à China.

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Autoridades de Pequim e meios de comunicação estatais fizeram retumbantes chamados ao longo do mês passado para que Hong Kong seja governada exclusivamente por pessoas “patriotas”. Para Pequim, esse termo é definido estritamente como lealdade ao governo central da China, particularmente ao Partido Comunista Chinês.

O líder máximo da China, Xi Jinping, conversou a respeito do assunto com Lam, no fim de janeiro, dizendo a ela que ter patriotas governando Hong Kong era a única maneira de garantir a estabilidade da cidade no longo prazo. E, na terça feira, o governo de Hong Kong afirmou que apresentaria o projeto de lei exigindo que os conselheiro distritais façam juramentos de lealdade, banindo candidatos de concorrer a cargos públicos por cinco anos caso eles sejam considerados hipócritas ou insuficientemente patriotas.

“Não se pode dizer, ‘Sou patriota, mas não respeito o fato de o Partido Comunista liderar o país’”, afirmou em entrevista coletiva Erick Tsang, secretário de Hong Kong para assuntos constitucionais e relativos ao governo central.

Michael Mo, conselheiro distrital que critica Pequim abertamente, afirmou que planeja fazer o juramento de lealdade, mas que não tem ideia se isso seria suficiente para as autoridades.

“Não cabe a mim definir se sou ou não patriota”, afirmou Mo. “A chamada nota de corte é desconhecida.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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