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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Perda de credibilidade 

Trump popularizou o termo ‘fake news’, espalhando-as com sofreguidão

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Atualização:

Donald Trump foi eleito em 2016 com base no argumento de que, por não ser político, mas sim empresário bem-sucedido, falava a verdade, era bom gestor, combateria a corrupção e utilizaria seus talentos de negociador para “tornar a América grande de novo”. 

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Trump diz o que sente a maior parte do tempo. Ataca a todos os que o contrariam procurando atingi-los no que considera seu ponto vulnerável. Pode ser a aparência física ou um problema na família. Ele não argumenta. Humilha. Isso não é sinceridade. É grosseria e falta de pudor.

Trump foi o único presidente americano a se recusar a apresentar suas declarações de imposto de renda, condição para a fiscalização de eventuais conflitos de interesse. Nomeou o genro como assessor, contratou serviços de consultoria da filha e indultou auxiliares condenados por mentir sobre contatos com russos.

Donald Trump e a filha Ivanka se preparam para embarcar no Marine One Foto: AFP PHOTO / NICHOLAS KAMM

Os seguidores de Trump têm motivos para associar os políticos à mentira. Mas ninguém mente mais do que Trump. Ele popularizou o termo “fake news”, não as combatendo, mas espalhando-as com sofreguidão. 

Informado desde janeiro por seus conselheiros de segurança nacional sobre a gravidade da ameaça da pandemia, Trump passou o ano inteiro menosprezando sua importância, por julgar ser essa a melhor forma de promover a atividade econômica e suas chances de se reeleger. Usar máscara e evitar aglomerações se tornaram provas de falta de lealdade para com o presidente. 

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O resultado são quase 400 mil mortes por covid-19, ou 119 por 100 mil habitantes, quando no Brasil, por exemplo, são 99. Certamente são mais, pela insuficiência de testes.

Muitos americanos, no entanto, não responsabilizam o presidente, porque são reféns de sua campanha de desinformação, que inclui os ataques sistemáticos aos jornalistas, como “inimigos do povo”. Outra mentira que causou mortes foi a da fraude na eleição, que culminou na invasão do Capitólio no dia 6, para tentar impedir a certificação da vitória de Joe Biden no colégio eleitoral.

O destacamento acontece uma semana após a invasão do Capitólio por extremistas pró-Trump Foto: Chip Somodevilla/Getty Images/AFP

Em 60 diferentes ações, juízes federais, muitos deles nomeados por Trump, decidiram que não havia evidências de fraude. Mas essa informação, quando chega aos seguidores do presidente, é imediatamente desacreditada por novas fantasias. A desconexão com os fatos está no alicerce do trumpismo, lançado com a mentira de que o então presidente Barack Obama não teria nascido nos Estados Unidos.

Os bons indicadores de crescimento econômico e baixo desemprego foram apresentados como supostas provas de boa gestão. Mas Trump herdou de Obama uma economia em crescimento desde 2010. O PIB aumentou 2,9% em 2015 e 1,6% em 2016. Nos primeiros três anos de Trump, os índices foram 2,4%, 2,9% e 2,2%.

Trump adotou três medidas para fomentar a atividade: redução de impostos, aumento de gastos e desregulamentação. Não é preciso ser bom gestor para fazer isso. Basta ignorar riscos, como a explosão do endividamento e danos ao meio ambiente e aos direitos dos consumidores, por exemplo.

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A América não se tornou grande de novo. Ao contrário, encolheu, aos olhos do mundo. Não só por sua desastrosa resposta à pandemia e pelos distúrbios causados pela violência policial contra negros (que o presidente ajudou a inflamar com sua complacência), mas pela perda de credibilidade perante os aliados, com o abandono sistemático de Trump dos compromissos internacionais firmados pelos Estados Unidos.

A política tem vícios repulsivos. Mas aqueles que seguem suas regras são mais propensos a negociar acordos com adversários e a ampliar suas bases com posições moderadas do que a estimular a polarização. São mais sensíveis às críticas e aos dados de realidade e se preocupam com a própria reputação. Ruim com eles, pior sem eles.*É COLUNISTA DO ESTADÃO E ANALISTA DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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