Donald Trump foi eleito em 2016 com base no argumento de que, por não ser político, mas sim empresário bem-sucedido, falava a verdade, era bom gestor, combateria a corrupção e utilizaria seus talentos de negociador para “tornar a América grande de novo”.
Trump diz o que sente a maior parte do tempo. Ataca a todos os que o contrariam procurando atingi-los no que considera seu ponto vulnerável. Pode ser a aparência física ou um problema na família. Ele não argumenta. Humilha. Isso não é sinceridade. É grosseria e falta de pudor.
Trump foi o único presidente americano a se recusar a apresentar suas declarações de imposto de renda, condição para a fiscalização de eventuais conflitos de interesse. Nomeou o genro como assessor, contratou serviços de consultoria da filha e indultou auxiliares condenados por mentir sobre contatos com russos.
Os seguidores de Trump têm motivos para associar os políticos à mentira. Mas ninguém mente mais do que Trump. Ele popularizou o termo “fake news”, não as combatendo, mas espalhando-as com sofreguidão.
Informado desde janeiro por seus conselheiros de segurança nacional sobre a gravidade da ameaça da pandemia, Trump passou o ano inteiro menosprezando sua importância, por julgar ser essa a melhor forma de promover a atividade econômica e suas chances de se reeleger. Usar máscara e evitar aglomerações se tornaram provas de falta de lealdade para com o presidente.
O resultado são quase 400 mil mortes por covid-19, ou 119 por 100 mil habitantes, quando no Brasil, por exemplo, são 99. Certamente são mais, pela insuficiência de testes.
Muitos americanos, no entanto, não responsabilizam o presidente, porque são reféns de sua campanha de desinformação, que inclui os ataques sistemáticos aos jornalistas, como “inimigos do povo”. Outra mentira que causou mortes foi a da fraude na eleição, que culminou na invasão do Capitólio no dia 6, para tentar impedir a certificação da vitória de Joe Biden no colégio eleitoral.
Em 60 diferentes ações, juízes federais, muitos deles nomeados por Trump, decidiram que não havia evidências de fraude. Mas essa informação, quando chega aos seguidores do presidente, é imediatamente desacreditada por novas fantasias. A desconexão com os fatos está no alicerce do trumpismo, lançado com a mentira de que o então presidente Barack Obama não teria nascido nos Estados Unidos.
Os bons indicadores de crescimento econômico e baixo desemprego foram apresentados como supostas provas de boa gestão. Mas Trump herdou de Obama uma economia em crescimento desde 2010. O PIB aumentou 2,9% em 2015 e 1,6% em 2016. Nos primeiros três anos de Trump, os índices foram 2,4%, 2,9% e 2,2%.
Trump adotou três medidas para fomentar a atividade: redução de impostos, aumento de gastos e desregulamentação. Não é preciso ser bom gestor para fazer isso. Basta ignorar riscos, como a explosão do endividamento e danos ao meio ambiente e aos direitos dos consumidores, por exemplo.
A América não se tornou grande de novo. Ao contrário, encolheu, aos olhos do mundo. Não só por sua desastrosa resposta à pandemia e pelos distúrbios causados pela violência policial contra negros (que o presidente ajudou a inflamar com sua complacência), mas pela perda de credibilidade perante os aliados, com o abandono sistemático de Trump dos compromissos internacionais firmados pelos Estados Unidos.
A política tem vícios repulsivos. Mas aqueles que seguem suas regras são mais propensos a negociar acordos com adversários e a ampliar suas bases com posições moderadas do que a estimular a polarização. São mais sensíveis às críticas e aos dados de realidade e se preocupam com a própria reputação. Ruim com eles, pior sem eles.*É COLUNISTA DO ESTADÃO E ANALISTA DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS