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Plano de enviar tropas brasileiras para missão na África enfrenta resistência

Diplomatas consideram difícil justificar envio de tropas para região conflagrada e, na Justiça, teme-se que País se torne alvo terrorista

Por Rodrigo Cavalheiro , Tania Monteiro , Cláudia Trevisan , CORRESPONDENTE , WASHINGTON e BRASÍLIA
Atualização:

Embora o ministro da Defesa, Raul Jungmann, tenha anunciado que o Brasil enviará soldados para uma missão de paz na República Centro-Africana, a manobra está longe de ser consenso no governo. O Itamaraty considera mais difícil justificar à população a necessidade de envio de tropas para a África do que para o Haiti. No Ministério da Justiça também há reservas, pelo temor de que o Brasil se transforme em alvo do terrorismo. 

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Um dos fatores de preocupação é o perfil de atuação muito mais arriscado e a possibilidade real de morte de militares brasileiros. “No caso do Haiti, havia uma realidade mais conhecida. Na África, há uma realidade diferente, mais difícil de entender, que talvez exija mais informação para a opinião pública”, afirmou um diplomata de alto posto, que sustentou não haver uma divisão institucional entre os ministérios. “Há opiniões diferentes nos dois lados (Defesa e Itamaraty)”, completou. Um segundo funcionário de carreira afirmou que os que se opõem à ideia consideram a iniciativa arriscada e compensada parcialmente com reembolso da ONU.

Chefiada há 13 anos pelo Brasil, a única missão de paz da ONU nas Américas começou com um telefonema Foto: HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

Uma segunda razão de resistência, em um ano eleitoral, seria o custo da missão. O ministro disse que o cálculo não foi feito, mas o Exército tem levantamentos avançados sobre o tema. Segundo um militar com acesso aos estudos prévios, seriam necessários US$ 100 milhões por ano, valor aproximado ao aplicado na última etapa no Haiti para manter um batalhão com troca semestral. Embora a ONU exija a substituição anual da tropa, o Brasil prefere um revezamento maior, como maneira de se prevenir casos de abuso sexuais. 

Um terceiro fator que afasta a decisão de um consenso é a distância cultural e geográfica. O Brasil estaria contribuindo para a paz em um país africano com graves conflitos ligados a disputas religiosas. 

Jungmann negou ontem que haja divergência com o Itamaraty. Segundo ele, o presidente Michel Temer deu sinal verde para o planejamento da operação. “A posição do presidente até aqui tem sido de mandar tocar os estudos, de que nós seguíssemos adiante”, disse Jungmann em Washington. Em relação ao Itamaraty, ele disse ter recebido apoio “decisivo e já expresso” do chanceler Aloysio Nunes Ferreira. 

A intenção do Ministério da Defesa é enviar um contingente de mil soldados à República Centro-Africana. O número seria um pouco menor que o mantido no país pelo Paquistão, que tem o maior contingente, com 1.115 militares. A contribuição brasileira seria semelhante às de Bangladesh (1.001) e do Egito (1.000). Não está claro se o Brasil chefiaria a missão. A previsão é de que outros militares, ainda a serem treinados, sigam para a operação e não os que estiveram no Haiti. Não há estimativa também de quanto tempo o Brasil permaneceria no país africano.

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Jungmann disse que a participação é fundamental para o treinamento e a prontidão dos militares. “É uma experiência no terreno, em situação real, que qualquer Força Armada precisa ter constantemente.” Na avaliação dele, não haverá problema para aprovação da proposta pelo Congresso. Na quinta-feira, Jungmann disse que o objetivo é que as tropas brasileiras cheguem à República Centro-Africana antes da metade do próximo ano. O projeto deve ser enviado ainda neste ano.

O ministro lembrou que o Brasil comandou durante 13 anos a missão de paz no Haiti, da qual participaram 36 mil soldados do país. Jungmann sustentou que o Brasil deve participar das decisões globais e, se não fizer isso, não eleva seu patamar nos foros internacionais, onde se decidem questões importantes, inclusive no Conselho de Segurança da ONU.

De acordo com um militar que acompanha o planejamento da operação, a estimativa de US$ 100 milhões anuais tende a ser superada no primeiro ano, em razão do custo maior de montagem da base e eventual realocação. Alguns equipamentos novos teriam de ser adquiridos, em razão da natureza do terreno, diferente do haitiano. Entre os equipamentos estariam 50 jipes blindados. Outro ponto que encarece a missão é a necessidade de voos frequentes. 

Dentro das Forças Armadas também não há consenso sobre a forma da missão. Integrantes do Exército consideram a participação da Marinha prescindível, por encarecer as missões. Indispensável seria mesmo o apoio da Aeronáutica. Segundo o ministro, o prazo de permanência só será discutido depois da aprovação da proposta pelo Congresso. Ainda assim, ele poderá ser prorrogado, como ocorreu sucessivas vezes no Haiti.

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Em setores do Ministério da Justiça, a proposta encontra resistência porque a missão tem entre seus objetivos combater uma coalizão de milícias muçulmanas. O enfrentamento poderia tornar o Brasil vulnerável a atentados terroristas. Jungmann disse, porém, que “este risco não foi detectado” pela Defesa, pelo Itamaraty ou pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Jungmann reconhece que no país africano o Brasil terá “um desafio de maior complexidade” do que teve no Haiti. 

O governo sabe, contudo, que pode enfrentar críticas por dois fatores: a forte restrição orçamentária para 2018 e a queixa de eleitores de que as cidades estão sofrendo com a criminalidade e os soldados poderiam ajudar na segurança pública. Em missões de paz, os militares têm autonomia para combater a criminalidade local, diferentemente do que acontece no País.